O Primo Basílio - Unama
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www.nead.unama.br<br />
— Foi a pobre Juliana que pediu como uma esmola a esteira, que o soalho<br />
estava podre. Até a queria pagar, e que eu lha descontasse nas soldadas. Ora por<br />
uma ridicularia... — E com um gesto compassivo: — Também são criaturas de Deus;<br />
não são escravas, filho!<br />
— Magnífico! E que não tardem os espelhos e os bronzes! Mas que<br />
mudança foi essa, tu que a não podias ver?<br />
— Coitada! — fez Luísa — reconheci que era boa mulher. E como estive tão<br />
só, dei-me mais com ela. Não tinha com quem falar; fez-me muita companhia. Até<br />
quando estive doente...<br />
— Estiveste doente? — exclamou Jorge espantado.<br />
— Oh! Três dias, só — acudiu ela — uma constipação. Pois olha que dia e<br />
noite não se tirou de ao pé de mim.<br />
Luísa ficou com receio que Jorge falasse na doença, e Juliana desprevenida<br />
negasse, por isso, nessa tarde, ao escurecer chamou-a ao quarto:<br />
— Eu disse ao Sr. Jorge que você me tinha feito muito boa companhia na<br />
doença... — E o seu rosto abrasava-se de vergonha.<br />
Juliana logo, risonha, contente da cumplicidade:<br />
— Fico entendida, minha senhora! Pode estar sossegada!<br />
Com efeito Jorge, ao outro dia, depois do café, voltou-se para Juliana, e com<br />
bondade:<br />
— Parece que você fez boa companhia à Sra. Luísa.<br />
— Fiz o meu dever — exclamou, curvando-se com a mão no peito.<br />
— Bem, bem — fez Jorge, remexendo no bolso. E ao sair da sala meteu-a<br />
mão meia libra.<br />
— Palerma! — rosnou ela.<br />
Foi nessa semana que começou a queixar-se à Luísa, que a roupa e os<br />
vestidos, na arca, se lhe amarfanhavam... Estava-se-lhe a estragar tudo! Se ela<br />
tivesse dinheiro, não vinha com aqueles pedidos à senhora, mas... Enfim uma<br />
manhã declarou terminantemente que precisava uma cômoda.<br />
Luísa sentiu uma raiva acender-lhe o sangue, e sem levantar os olhos do<br />
bordado:<br />
— Uma meia cômoda?<br />
— Se a senhora quer fazer o favor, então uma cômoda inteira...<br />
— Mas você tem pouca roupa — disse Luísa. Começava a instalar-se na<br />
humilhação e já regateava as condescendências.<br />
— Tenho, sim, minha senhora — replicou Juliana —, mas vou agora<br />
completar-me!<br />
A cômoda foi comprada em segredo, e introduzida ocultamente. Que dia de<br />
felicidade para Juliana! Não se fartava de lhe saborear o cheiro da madeira nova!<br />
Passava a mão, com a tremura de uma carícia, sobre o polimento luzidio!... Forroulhe<br />
as gavetas de papel de seda; e começava a completar-se!<br />
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