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O Primo Basílio - Unama

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www.nead.unama.br<br />

nalguma entrevista, de noite, o colo bonito da mulher do delegado!... E<br />

tumultuosamente apareceram-lhe todas as razoes que provavam irrecusavelmente a<br />

traição de Jorge: estava há dois meses fora! Sentia-se cansado da sua viuvez!<br />

Encontrava uma mulher bonita! Tomava aquilo como um prazer passageiro, sem<br />

importância!... Que infame! Resolveu escrever-lhe uma carta digna e ofendida, que<br />

viesse imediatamente — ou que partia ela — Entrou no quarto, muito excitada. A<br />

fotografia de Jorge, que ela tirara na véspera do saco de marroquim, ficara no<br />

toucador. Pôs-se a olhá-la: não admirava que o namorassem; era bonito, era<br />

amável... Veio-lhe uma onda de ciúme, que lhe obscureceu o olhar; se ele a<br />

enganasse, se tivesse a certeza da "mais pequena coisa" — separava-se, recolhiase<br />

a um convento, morria decerto, matava-o!...<br />

— Minha senhora — veio dizer Joana —, é um galego com esta carta. Está<br />

à espera da resposta.<br />

Que espanto! Era de Juliana!<br />

Escrita em papel pautado, numa letra medonha, eriçada de erros de<br />

ortografia, dizia:<br />

Minha senhora.<br />

Bem sei que fui imprudente, o que a senhora deve atribuir tanto à minha<br />

desgraça como à falta de saúde, o que às vezes faz que se tenham gênios<br />

repentinos. Mas se a senhora quer que eu volte e faça o serviço como dantes — ao<br />

qual creio que a senhora não pode opor-se, terei muito gosto em ser agradável na<br />

certeza que nunca mais se falará em tal até que a senhora queira, e cumpra o que<br />

prometeu. Prometo fazer o meu serviço, e desejo que a senhora esteja por isto pois<br />

que é para bem de todos. Pois que foi gênio e naturalmente todos têm os seus<br />

repentes, e com isto não canso mais e sou<br />

Serva muito obediente a criada<br />

Juliana Couceiro Tavira.<br />

Ficou com a carta na mão, sem resolução. A sua primeira vontade foi dizer<br />

— "não!" Tornar a recebê-la, vê-la, com a sua face horrível, a cuia enorme! Saber<br />

que ela tinha no bolso a sua carta, a sua desonra, e chamá-la, pedir-lhe água, a<br />

lamparina, ser servida por ela! Não! Mas veio-lhe um terror; se recusasse irritava a<br />

criatura; Deus sabe o que faria! Estava nas mãos dela; devia passar por tudo. Era o<br />

seu castigo... Hesitou ainda um momento:<br />

— Que sim, que venha, é a resposta.<br />

Juliana veio com efeito às oito horas. Subiu pé ante pé para o sótão, pôs o<br />

fato de casa e as chinelas, e desceu para o quarto dos engomados, onde Joana<br />

sentada num tapete costurava, à luz do petróleo.<br />

Joana, muito curiosa, acabrunhou-a logo de perguntas: onde estivera? O<br />

que tinha acontecido? Por que não dera notícias? — Juliana contou que fora a uma<br />

visita a uma amiga, à Calçada do Marquês de Abrantes, e que de repente lhe dera<br />

um flato, e a dor... Não quis mandar dizer, porque imaginara que poderia vir. Mas<br />

qual! Estivera dia e meio de cama...<br />

Quis saber então o que tinha feito a senhora, se saíra, quem estivera...<br />

— A senhora tem andado a modo incomodada — disse Joana.<br />

— É do tempo — observou Juliana. — Tinha trazido a sua costura, e ambas<br />

caladas continuaram o serão.<br />

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