O Primo Basílio - Unama
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— Que andas tu a fazer? Andas a varrer? Ela corou muito, atirou logo a<br />
vassoura, veio abraçá-lo.<br />
— Não tinha que fazer... Deu-me a mania da limpeza... Estava aborrecida, ~<br />
disso faz-me bem, é um exercício.<br />
Jorge, à noite, contou a Sebastião aquela "tolice de se andar a esfalfar..."<br />
— Uma pessoa que está tão fraca, minha senhora... — observou<br />
repressivamente Sebastião.<br />
— Mas não!" dizia ela, achava-se bem melhor! Até agora andava muito<br />
melhor...<br />
Todavia, quase não falou nessa noite, curvada sobre o seu croché, um<br />
pouco pálida: e os seus olhos às vezes erguiam-se com uma fadiga triste, sorrindo<br />
silenciosamente, de um modo desconsolado.<br />
Pediu a Sebastião que tocasse alguma coisa do Réquiem de Mozart. Achava<br />
tão lindo! Gostava que lho cantassem na igreja quando ela morresse...<br />
Jorge zangou-se. Que mania de falar em coisas ridículas!<br />
— Mas então, não é possível que eu morra?...<br />
Pois bem, morre e deixa-nos em paz! — exclamou ele furioso.<br />
— Que bom marido! — dizia ela sorrindo a Sebastião. Deixou cair o Croché<br />
no regaço, pediu-lhe então os dezesseis compassos da Africana. Escutava, com a<br />
cabeça apoiada à mão; aqueles sons entravam-lhe na alma com a doçura de vozes<br />
místicas que a chamavam; parecia-lhe que ia levada por elas, se rendia de tudo o<br />
que era terrestre e agitado, se achava numa praia deserta, junto ao mar triste, sob<br />
um frio luar — e ali, puro espírito, livre das misérias carnais, rolava nas ondulações<br />
do ar, tremia nos raios luminosos, passava sobre os urzes nos sopros salgados...<br />
A melancólica atitude do seu corpo abatido enfureceu Jorge:<br />
— Ó Sebastião, fazes-me favor de tocar o fandango, o Barba-Azul, o Pirolito,<br />
o diabo? Senão, se querem melancolia, eu começo com o cantochão!<br />
E cantou, com um tom fúnebre:<br />
— Dies irae, dies illae. Solvunt saecula in favilia!..<br />
Luísa riu-se:<br />
— Que doido! Nem pode a gente estar triste...<br />
— Pode! — exclamou Jorge. — Mas então venha a bela tristeza, venha a<br />
tristeza completa. — E com uma voz medonha entoou o Bendito!<br />
— Os vizinhos hão de dizer que estamos doidos, Jorge... — acudiu ela.<br />
— É justamente o que nós estamos! — E entrou no escritório, atirando com<br />
a porta.<br />
Sebastião bateu alguns compassos, e voltando-se para ela, baixo:<br />
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