O Primo Basílio - Unama
O Primo Basílio - Unama
O Primo Basílio - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
a pensar que <strong>Basílio</strong> devia vir no dia seguinte; vestiria o roupão novo de fular cor de<br />
castanho! Recomeçou o Fado, mas os olhos cerravam-se-lhe.<br />
Foi para o quarto.<br />
Juliana trouxe o rol e a lamparina. Vinha arrastando as chinelas, com um<br />
casabeque pelos ombros, encolhida e lúgubre. Aquela figura com um ar de<br />
enfermaria irritou Luísa:<br />
— Credo, mulher! Você parece a imagem da morte!<br />
Juliana não respondeu. Pousou a lamparina; apanhou, placa a placa, sobre<br />
a cômoda, o dinheiro das compras; e com os olhos baixos:<br />
— A senhora não precisa mais nada, não?<br />
— Vá-se, mulher, vá!<br />
Juliana foi buscar o candeeiro de petróleo, subiu ao quarto. Dormia em cima,<br />
no sótão, ao pé da cozinheira.<br />
Pareço-te a imagem da morte! — resmungava, furiosa.<br />
O quarto era baixo, muito estreito, com o teto de madeira inclinado; o sol,<br />
aquecendo todo o dia as telhas por cima, fazia-o abafado como um forno; havia<br />
sempre à noite um cheiro requentado de tijolo escandecido. Dormia num leito de<br />
ferro, sobre um colchão de palha mole coberto de uma colcha de chita; da barra da<br />
cabeceira pendiam os seus bentinhos e a rede enxovalhada que punha na cabeça;<br />
ao pé tinha preciosamente a sua grande arca de pau, pintada de azul, com uma<br />
grossa fechadura. Sobre a mesa de pinho estava o espelho de gaveta, a escova de<br />
cabelos enegrecida e despelada, um pente de osso, as garrafas de remédio, uma<br />
velha pregadeira de cetim amarelo, e, embrulhada num jornal, a cuja de retrós dos<br />
domingos. E o único adorno das paredes sujas, riscadas da cabeça de fósforos —<br />
era uma litografia de Nossa Senhora das Dores por cima da cama, e um<br />
daguerreótipo onde se percebia vagamente, no reflexo espelhado da lâmina, os<br />
bigodes encerados e as divisas de um sargento.<br />
— A senhora já se deitou, Sra. Juliana? — perguntou a cozinheira do quarto<br />
pegado, de onde saía uma barra de luz viva cortando a escuridão do corredor.<br />
— Já se deitou, Sra. Joana, já. Está hoje com os azeites. Falta-lhe o homem!<br />
Joana, às voltas, fazia ranger as madeiras velhas da cama. Não podia<br />
dormir! Abafava-se! Uf!<br />
— Ai! E aqui! — exclamou Juliana.<br />
Abriu o postigo que dava para os telhados, para deixar arejar; calçou as<br />
chinelas de tapete, e foi ao quarto de Joana. Mas não entrou, ficou à porta; era<br />
criada de dentro, evitava familiaridades. Tinha tirado a cuja, e com um lenço preto e<br />
amarelo amarrado na cabeça, o seu rosto parecia mais chupado, e as orelhas mais<br />
despegadas do crânio; a camisa decotada descobria as clavículas descarnadas; a<br />
saia curta mostrava as canelas muito brancas, muito secas. E com o casabeque<br />
pelos ombros, coçando devagarinho os cotovelos agudos:<br />
42