O Primo Basílio - Unama
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— Perdoa-me, perdoa-me! Estou doida, não sei o que digo!...<br />
www.nead.unama.br<br />
Começaram ambas a chorar, muito nervosas.<br />
Tu zangaste-te! — dizia Leopoldina cortada de soluços. — Mas é pra teu bem.<br />
É o que me parece melhor. Se eu pudesse dava-te o dinheiro... Fazia tudo. Acredita!<br />
E abrindo os braços, indicando o seu corpo com um impudor sublime:<br />
— Seiscentos mil réis! Se eu valesse tanto dinheiro, tinha-o amanhã!<br />
Nós de dedos bateram à porta.<br />
— Quem é?<br />
— Eu — disse uma voz rouca.<br />
— É meu marido. O animal ainda hoje não despegou de casa. Não posso<br />
abrir. Logo.<br />
Luísa limpava os olhos, à pressa, punha o chapéu.<br />
— Quando voltas? — perguntou Leopoldina.<br />
— Quando puder, se não escrevo-te.<br />
— Bem. Eu vou pensar, vou esquadrinhar...<br />
Luísa agarrou-lhe o braço:<br />
— E disto nem palavra.<br />
— Doida!<br />
Saiu. Foi subindo devagar até ao Largo de São Roque. A porta da Igreja da<br />
Misericórdia estava aberta, com o seu largo reposteiro vermelho de armas bordadas<br />
que o vento agitava brandamente. Veio-lhe um desejo de entrar. Não sabia para<br />
quê; mas parecia-lhe que depois da excitação apaixonada em que vibrara, o fresco<br />
silêncio da igreja a acalmaria. E depois sentia-se tão infeliz que se lembrou de Deus!<br />
Necessitava alguma coisa de superior, de forte a que se amparar. Foi-se ajoelhar ao<br />
pé de um altar, persignou-se, rezou o padre-nosso, depois a salve-rainha. Mas<br />
aquelas orações, que ela recitava em pequena, não a consolavam; sentia que eram<br />
sons inertes que não iam mais alto no caminho do céu que a sua mesma respiração;<br />
não as compreendia bem, nem se aplicavam ao seu caso; Deus, por elas, nunca<br />
poderia saber o que ela pedia, ali, prostrada na aflição. Quereria falar a Deus, abrirse<br />
toda a Ele; mas com que linguagem? Com as palavras triviais, como se falasse a<br />
Leopoldina! Iriam as suas confidências tão longe que O alcançassem? Estaria Ele<br />
tão perto que a ouvisse? E ficou ajoelhada, os braços moles, as mãos cruzadas no<br />
regaço, olhando as velas de cera tristes, os bordados desbotados do frontal, a<br />
carinha rosada e redonda de um Menino Jesus!<br />
Lentamente perdeu-se num cismar que ela não dirigia, que se formava e se<br />
movia no seu cérebro, com a flutuação de um fumo que se eleva. Pensava no tempo<br />
tão distante, em que, por melancolia e por sentimentalidade, freqüentava mais as<br />
igrejas. Ainda a mamã vivia então; e ela com o coração quebrado — quando o outro,<br />
<strong>Basílio</strong>, lhe escrevera, rompendo — procurava dissipar a sua tristeza nas<br />
consolações da devoção. Uma amiga sua, a Joana Silveira, fora por esse tempo<br />
professar à França; e ela às vezes lembrava-se de partir também, ser irmã de<br />
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