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O Primo Basílio - Unama

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— De apetite — afirmava D. Felicidade revirando os olhos.<br />

www.nead.unama.br<br />

Certas agudezas delicadas de flautins enterneciam Luísa; e a casa, Juliana,<br />

as suas misérias, tudo lhe parecia recuado, no fundo de uma noite esquecida.<br />

Mas o jovial Diabo adiantava-se por entre os grupos, e logo, com gestos<br />

aduncos e rapaces, cantou o Dio del oro. A sua voz arremessada afirmava, num tom<br />

brutal, o poder do dinheiro; nas massas da instrumentação passavam sonoridades<br />

claras e tilintantes de um remexer sôfrego de tesouros; e as notas altas finais caíam,<br />

de um modo curto e seco, como marteladas triunfantes cunhando o divino ouro!<br />

Luísa então viu D. Felicidade perturbar-se; e seguindo o seu olhar negro,<br />

subitamente avivado, descobriu na geral a calva polida do Conselheiro Acácio que<br />

cumprimentava, prometendo generosamente, com a mão espalmada, a sua visita<br />

próxima.<br />

Veio, apenas o pano desceu, e felicitou-as imediatamente por terem escolhido<br />

aquela noite: a ópera era das melhores e estava gente muito fina. Lamentou ter<br />

perdido o primeiro ato; ainda que não gostasse extremamente da música, apreciava-o<br />

por ser muito filosófico. E, tomando da mão de Luísa o binóculo, explicou os<br />

camarotes, disse os títulos, citou as herdeiras ricas, nomeou os deputados, apontou<br />

os literatos. — Ah! Conhecia bem São Carlos! Havia dezoito anos!<br />

D. Felicidade, rubra, admirava-o. O Conselheiro sentia que não pudessem<br />

ver o camarote real: a rainha, como sempre, estava adorável.<br />

Sim? Como estava?<br />

De veludo. Não sabia se roxo, se azul-escuro. Afirmar-se-ia, e viria dizer...<br />

Mas quando o pano subiu, ficou sentado por trás de Luísa começando logo a<br />

explicar — que aquela (Siebel, colhendo flores no jardim de Margarida), posto que<br />

segunda dama, ganhava quinhentos mil réis por mês...<br />

— Mas apesar destes ordenadões morrem quase sempre na miséria —<br />

disse com reprovação. — Vícios, ceias, orgias, cavalgadas...<br />

A portinha verde do jardim abriu-se, e Margarida entrou devagar,<br />

desfolhando o malmequer da legenda, caracterizada de virgem, com as duas longas<br />

tranças louras. Cismava, falava só, amava: a doce criatura sente em volta de si o ar<br />

pesado, e quereria bem que sua mãe voltasse!<br />

Os olhos de Luísa encheram-se então de melancolia, com a saudosa balada<br />

do rei de Tule; aquela melodia dava-lhe a vaga sensação de um pálido país de<br />

amores espirituais, banhado de luares frios, longe, no Norte, junto a um mar gemente<br />

— ou de tristezas aristocráticas, cismadas num terraço, sob a sombra de um parque...<br />

Mas o Conselheiro preveniu-as, dizendo:<br />

— Agora é que é! Reparem. Agora é o ponto capital.<br />

De joelhos, diante do cofre das jóias, a dama requebrava-se, garganteando;<br />

apertava nas mãos o colar, extasiada; punha os brincos com denguices delirantes; e<br />

da sua boca muito aberta saía um canto trinado, de uma cristalinidade aguda —<br />

entre o vago sussurro da admiração burguesa.<br />

O Conselheiro disse discretamente:<br />

— Bravo! Bravo!<br />

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