O Primo Basílio - Unama
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revirada, cheirada... Remexia sutilmente em todas as gavetas abertas; vasculhava<br />
em todos os papéis atirados. Tinha um modo de andar ligeiro e surpreendedor.<br />
Examinava as visitas. Andava à busca de um segredo, de um bom segredo! Se lhe<br />
caía um nas mãos!<br />
Era muito gulosa. Nutria o desejo insatisfeito de comer bem, de petiscos, de<br />
sobremesas. Nas casas em que servia ao jantar, o seu olho avermelhado seguia<br />
avidamente as porções cortadas à mesa; e qualquer bom apetite que repetia<br />
exasperava-a, como uma diminuição da sua parte. De comer sempre os restos<br />
ganhara o ar agudo — o seu cabelo tomara tons secos, cor de rato. Era lambareira:<br />
gostava de vinho; em certos dias comprava uma garrafa de oitenta réis, e bebia-a<br />
só, fechada, repimpada, com estalos da língua, a orla do vestido um pouco erguida,<br />
revendo-se no pé.<br />
E nunca tivera um homem; era virgem. Fora sempre feia, ninguém a tentara;<br />
e, por orgulho, por birra, com receio de uma desfeita, não se oferecera, como vira<br />
muitas, claramente. O único homem que a olhara com desejo tinha sido um criado<br />
de cavalariça, atarracado e imundo, de aspecto facínora; a sua magreza, a sua cuia,<br />
o seu ar domingueiro tinham excitado o bruto. Fitava-a com um ar de bitídogue.<br />
Causara-lhe horror — mas vaidade. E o primeiro homem por quem ela sentira, um<br />
criado bonito e alourado, rira-se dela, pusera-lhe o nome de "Isca Seca. Não contou<br />
mais com os homens, por despeito, por desconfiança de si mesma. As rebeliões da<br />
natureza, sufocava-as; eram fogachos, flatos. Passavam. Mas faziam-na mais seca;<br />
e a falta daquela grande consolação agravava a miséria da sua vida.<br />
Um dia teve, enfim, uma grande esperança. Entrara para o serviço da<br />
senhora D. Virgínia Lemos, uma viúva rica, tia de Jorge, muito doente, quase a<br />
morrer com um catarro de bexiga. A tia Vitória, a inculcadeira, preveniu-a:<br />
— Tu trata a velha, apaparica-a, que ela o que quer é uma enfermeira que a<br />
sofra. É rica, não é nada apegada ao dinheiro; é capaz de te deixar uma<br />
independência!<br />
Durante um ano Juliana, roída de ambição, foi a enfermeira da velha. Que<br />
zelos! Que mimos!<br />
Virgínia era muito rabugenta; a idéia de morrer enfurecia-a; quanto mais ela<br />
ralhava com a sua voz gutural, mais Juliana se fazia serviçal. A velha, por fim,<br />
estava enternecida, gabava-a às pessoas que a vinham ver, chamava-lhe a sua<br />
providência. Tinha-a recomendado muito a Jorge.<br />
— Não há outra! Não há outra! — exclamava.<br />
— Pois apanhaste — dizia-lhe a tia Vitória. — Pelo menos deixa-te o teu<br />
conto de réis.<br />
Um conto de réis! Juliana, de noite, enquanto a velha gemia no seu antigo<br />
leito de pau-santo, via o conto de réis à claridade mórbida que dava a lamparina,<br />
reluzir em pilhas de ouro inesgotável e prodigioso. Que faria com o dinheiro? E, à<br />
cabeceira da doente com um cobertor pelos ombros, os olhos dilatados e fixos,<br />
planeava: poria uma loja de capelista! Vinham-lhe logo lampejos vivos de outras<br />
felicidades: um conto de réis era um dote, poderia casar, teria um homem!<br />
Estavam acabadas as canseiras. ia jantar, enfim, o seu jantar! Mandar,<br />
enfim, a sua criada! A sua criada! Via-se a chamá-la, a dizer-lhe, de cima para baixo:<br />
Faça, vá, despeje, saia!" — Tinha contrações no estômago, de alegria. Havia de ser<br />
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