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O Primo Basílio - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Aqui nasci — repetiu, desdobrando o seu belo lenço de seda da Índia — e<br />

aqui conto morrer.<br />

E assou-se discretamente.<br />

— Isso ainda vem longe, Conselheiro!<br />

Ele disse, com uma melancolia grave:<br />

— Não me arreceio dela, meu Jorge. Até já fiz construir, sem vacilar, no Alto<br />

de São João, a minha última morada. Modesta, mas decente. É ao entrar, no<br />

arruamento à direita, num lugar abrigado, ao pé da choça dos Veríssimos amigos.<br />

— E já compôs o seu epitáfio, Sr. Conselheiro? — perguntou Julião, do<br />

canto, irônico.<br />

— Não o quero, Sr. Zuzarte. Na minha sepultura não quero elogios. Se os<br />

meus amigos, os meus patrícios entenderem que eu fiz alguns serviços, têm outros<br />

meios para os comemorar: lá têm a imprensa, o comunicado, o necrológio, a poesia<br />

mesmo! Por minha vontade quero apenas sobre a lápide lisa, em letras negras, o<br />

meu nome — com a minha designação de Conselheiro — a data do meu nascimento<br />

e a data do meu óbito.<br />

E com um tom demorado, de reflexão:<br />

— Não me oponho todavia a que inscrevam por baixo, em letras menores:<br />

"Orai por ele!"<br />

Houve um silêncio comovido, e à porta uma voz fina, disse:<br />

— Dão licença?<br />

— Oh, Ernestinho!... — exclamou Jorge.<br />

Com um passo miudinho e rápido, Ernestinho veio abraçá-lo pela cintura:<br />

— Eu soube que tu partias, primo Jorge... Como está, prima Luísa?<br />

Era primo de Jorge. Pequenino, linfático, os seus membros franzinos, ainda<br />

quase tenros, davam-lhe um aspecto débil de colegial; o buço, delgado, empastado<br />

em cera mostacha, arrebitava-se aos cantos em pontas afiadas como agulhas; e na<br />

sua cara chupada, os olhos repolhudos amorteciam-se com um quebrado langoroso.<br />

Trazia sapatos de verniz com grandes laços de fita; sobre o colete branco, a cadeia<br />

do relógio sustentava um medalhão enorme, de ouro, com frutos e flores esmaltados<br />

em relevo. Vivia com uma atrizita do Ginásio, uma magra, cor de melão, com o<br />

cabelo muito riçado, o ar tísico — e escrevia para o teatro. Tinha traduções, dos<br />

originais num ato, uma comédia, em calembures. Ultimamente trazia em ensaios nas<br />

Variedades uma obra considerável, um drama em cinco atos, a Honra e paixão. Era<br />

a sua estréia séria. E desde então, viam-no sempre muito atarefado, os bolsos<br />

inchados de manuscritos, com localistas, com atores, muito pródigo de cafés e de<br />

conhaques, o chapéu ao lado, descorado e dizendo a todos: "Esta vida mata-me!"<br />

Escrevia todavia por paixão entranhada pela Arte — porque era empregado na<br />

alfândega, com bom vencimento, e tinha quinhentos mil réis de renda das suas<br />

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