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O Primo Basílio - Unama

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Jorge olhou-o com um ar estúpido:<br />

www.nead.unama.br<br />

— O cabelo? — E agarrando-lhe os braços: — Não, Julião, não, hein? Pode<br />

se fazer outra coisa. Tu deves saber. O cabelo não! Não! Isso não, pelo amor de<br />

Deus! Ela não está em perigo. Para quê?<br />

Mas aquela massa de cabelo era o diabo, impedia a ação da água!<br />

— Amanhã, se for necessário. Amanhã! Espera até amanhã... Obrigado,<br />

Julião, obrigado!<br />

Julião consentiu, contrariado. Fazia então umedecer constantemente as<br />

compressas da cabeça, e como Mariana trêmula, desjeitosa, molhava muito o<br />

travesseiro, foi Sebastião que se colocou à cabeceira da cama, toda a noite,<br />

espremendo sem cessar uma esponja, de onde a água gotejava lentamente; tinham<br />

jarros fora da varanda, na sala, para dar à água uma frialdade gelada. O delírio alta<br />

noite acalmara um pouco. Mas o seu olhar injetado tinha uma aspecto selvagem: as<br />

pupilas pareciam apenas um ponto negro.<br />

Jorge, sentado aos pés da cama, com a cabeça entre as mãos, olhava para<br />

ela: lembravam-lhe vagamente outras noites de doença assim, quando ela tivera a<br />

pneumonia; e melhorara! Até ficara mais linda, com tons de palidez que lhe adoçavam<br />

a expressão! Iriam para o campo quando ela convalescesse; alugaria uma casinha;<br />

voltaria à noite no ônibus, e vê-la-ia de longe na estrada vindo ao seu encontro, com<br />

um vestido claro, na tarde suave!... Mas ela gemia, ele erguia os olhos sobressaltado;<br />

e não lhe parecia a mesma; afigurava-se-lhe que se ia dissipando, desaparecendo<br />

naquele ar de febre que enchia a alcova, no silêncio mórbido da noite, e no cheiro da<br />

mostarda. Um soluço sacudia-o, e recaía na sua imobilidade.<br />

Joana, em cima, rezava. As velas, com uma chama alta e direita,<br />

extinguiam-se.<br />

Enfim uma vaga claridade desenhou nos transparentes brancos os caixilhos<br />

da vidraça. Amanhecia. Jorge ergueu-se, foi olhar para a rua. Não chovia; a calçada<br />

secava. O ar tinha uma vaga cor de aço. Tudo dormia; e uma toalha, esquecida à<br />

janela das Azevedos, agitava-se ao vento frio, silenciosamente.<br />

Quando entrou na alcova Luísa falava com uma voz extinta; sentia muito<br />

vagamente os sinapismos, mas a dor de cabeça não cessava. Começou a agitar-se<br />

— e o delírio dai a pouco voltou. Julião, então, determinou que se lhe rapasse o<br />

cabelo.<br />

Sebastião foi acordar um barbeiro na Rua da Escola — que veio logo, com<br />

um ar transido, a gola de casaco levantada; e batendo o queixo começou a tirar<br />

imediatamente de um saco de couro as navalhas, as tesouras, devagar, com as<br />

mãos moles da gordura das pomadas.<br />

Jorge foi refugiar-se na sala; parecia-lhe que grandes pedaços mutilados da<br />

sua felicidade caíam com aquelas lindas tranças, destruídas às tesouradas; e com a<br />

cabeça nas mãos recordava certos penteados que ela usava, noites em que os seus<br />

cabelos se tinham desmanchado nas alegrias da paixão, tons com que brilhavam à<br />

luz... Voltou ao quarto, atraído irresistivelmente; sentiu na alcova o ruído seco e<br />

metálico das tesouras; sobre a mesa, numa caixa de sabão, estava um velho pincel<br />

de barba, entre flocos de espuma... Chamou Sebastião baixo:<br />

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