O Primo Basílio - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Nessa noite Jorge dormiu profundamente. Ao outro dia o seu rosto estava<br />
impassível, de uma serenidade lívida.<br />
Foi daí por diante o enfermeiro de Luísa.<br />
A doença, depois de uma marcha incerta durante três dias, definiu-se: eram<br />
crescimentos; enfraquecia muito, mas Julião estava tranqüilo.<br />
Jorge passava os seus dias ao pé dela. D. Felicidade vinha ordinariamente<br />
pelas manhãs; sentava-se aos pês da cama, e ficava calada, com uma face<br />
envelhecida; aquela esperança na mulher de Tui tão subitamente destruída, abalaraa<br />
como um velho edifício a que se tira subitamente um pilar; ia-se tornando ruína; e<br />
só se animava quando o Conselheiro aparecia pelas três horas a saber da "nossa<br />
formosa enferma". Trazia sempre alguma palavra grave que dizia com um tom<br />
profundo, conservando o chapéu na mão, sem querer entrar alcova, por pudor:<br />
— A saúde é um bem que só apreciamos quando nos foge!<br />
Ou:<br />
— A doença serve para aquilatarmos os amigos.<br />
E terminava sempre:<br />
— Meu Jorge, as rosas da saúde bem cedo reflorirão nas faces de sua<br />
virtuosa esposa!...<br />
De noite Jorge dormia vestido, num enxergão sobre o chão; mas apenas<br />
cerrava os olhos uma ou duas horas. O resto da noite procurava ler: começava um<br />
romance mas nunca ia além das primeiras linhas; esquecia o livro, e com a cabeça<br />
entre as mãos punha-se a pensar: era sempre a mesma idéia — como tinha sido?<br />
Conseguira reconstituir aproximadamente, com lógica, certos fatos; via bem <strong>Basílio</strong><br />
chegando, vindo visitá-la, desejando-a, mandando-lhe ramos, perseguindo-a indo-a<br />
ver aqui e além, escrevendo-lhe; mas depois? Viera já a compreender que o dinheiro<br />
era para Juliana. A criatura tivera alguma exigência: tinha-os surpreendido? Possuía<br />
cartas?... E encontrava, naquela reconstrução dolorosa, falhas, vazios, como<br />
buracos escuros, onde a sua alma se arremessava sofregamente. Então começava<br />
a recordar os últimos meses desde a sua volta do Alentejo, e como ela se mostrara<br />
amante, e que ardor punha nas suas carícias... Para que o enganara então?<br />
Uma noite, com precauções de ladrão, rebuscou todas as gavetas dela,<br />
esquadrinhou os vestidos, até as dobras da roupa branca, as caixas de colares, de<br />
rendas; viu bem o cofre de sândalo; estava vazio, nem o pó de uma flor seca! Às<br />
vezes punha-se a fitar os móveis no quarto, na sala, a sondá-los como se quisesse<br />
descobrir neles os vestígios do adultério. Ter-se-iam sentado ali? Ele teria ajoelhado<br />
aos pés dela, acolá sobre o tapete? Sobretudo o divã tão largo, tão cômodo,<br />
desesperava-o; tomou-lhe ódio. Veio a detestar mesmo a casa, como se os tetos<br />
que os tinham coberto, os soalhos que os tinham sustentado tivessem uma<br />
cumplicidade consciente. Mas o que o torturava sobretudo eram aquelas palavras —<br />
o "Paraíso, as boas manhãs..."<br />
Luísa então já dormia tranqüilamente. Ao fim de uma semana os<br />
crescimentos desapareceram. Mas estava muito fraca: no dia em que pela primeira<br />
vez se levantou, desmaiou duas vezes; era necessário vesti-la, trazê4a amparada<br />
para a chaise longue; e não dispensava Jorge, queria-o ali, ao pé, com exigências<br />
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