O Primo Basílio - Unama
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— Bendito seja Deus! Bendito seja Deus!<br />
www.nead.unama.br<br />
E que havia de fazer aquilo? — foi então a sua inquietação. Ora pensava em<br />
a vender a Luísa por uma forte soma... Mas onde tinha ela o dinheiro? Não; o melhor<br />
era esperar a volta de Jorge, e com ameaças de a publicar, extorquir-lhe um ror de<br />
libras por meio de outra pessoa, já se vê, e ela à capa! E em certos dias em que a<br />
figura, as toaletes, as passeatas de Luísa a irritavam mais, vinham-lhe venetas de<br />
sair para a rua, chamar os vizinhos, ler o papel, pô-la mais rasa que a lama, vingarse<br />
da cabra!<br />
Foi a tia Vitória que a calmou, e a dirigiu. Disse-lhe logo que para a armadilha<br />
ser completa era necessário uma carta do janota. Começara então o lento trabalho de<br />
lha apanhar! Fora preciso muita finura, muita chave experimentada, duas feitas por<br />
moldes de cera, paciência de gato, habilidades de ratoneiro! Mas pilhou-a, e que<br />
carta! Tinha-a lido com a tia Vitória — que rira, rira!... Sobretudo o bilhete em que<br />
<strong>Basílio</strong> lhe dizia: "Hoje não posso ir, mas espero-te amanhã às duas; mando-te essa<br />
rosinha, e peço-te que faças o que fizeste à outra, trazê-la no seio, porque é tão bom<br />
quando vens assim, sentir-te o peitinho perfumado!... " A tia Vitória, sufocada, a quis<br />
mostrar à sua velha amiga, a Pedra, a Pedra gorda, que estava na saleta.<br />
A Pedra torceu-se! Os seus enormes seios, pendentes como odres malcheios<br />
tinham sacudidelas furiosas de hilaridade. E com as mãos nas ilhargas,<br />
rubra, roncando, com o seu vozeirão de trombone:<br />
— Essa é das boas, tia Vitória! Essa é de mestre. Não, isso merece ir para<br />
os papéis. Ai os bêbedos! Raios do diabo!<br />
A tia Vitória, então, disse muito seriamente a Juliana:<br />
— Bem; agora tens a faca e o queijo! Com isso já podes falar do alto. E<br />
esperar a ocasião. Muito bons modos, cara prazenteira, sorrisos a fartar para ela<br />
não desconfiar, e o olho alerta. Tens o rato seguro, deixa-o dar ao rabo!<br />
E desde esse dia Juliana saboreava com delicias, com gula, muito consigo<br />
— aquele gozo de a ter "na mão", a Luisinha, a senhora, a patroa, a Piorrinha! Via-a<br />
aperaltar-se, ir ao homem, cantarolar, comer bem — e pensava com uma<br />
voluptuosidade felina: "Anda, folga, folga, que eu cá tenho armada!" Aquilo dava-lhe<br />
um orgulho perverso. Sentia-se vagamente senhora da casa. Tinha ali fechada na<br />
mão a felicidade, o bom nome, a honra, a paz dos patrões! Que desforra!<br />
E o futuro, estava certo! Aquilo era dinheiro, o pão da velhice. Ah! Tinha-lhe<br />
chegado o seu dia! Todos os dias rezava uma salve-rainha de graças a Nossa<br />
Senhora, mãe dos homens!<br />
Mas agora, depois daquela cena com Luísa — não podia ficar de braços<br />
cruzados, com as cartas na algibeira. Devia sair de casa, pôr-se em campo, fazer<br />
alguma coisa. O quê? A tia Vitória é que havia de dizer...<br />
Logo pela manhã às sete horas, sem tomar o seu café, sem falar a Joana,<br />
desceu devagar, saiu.<br />
A tia Vitória não estava em casa. Gente na saleta esperava. O Sr. Gouveia,<br />
com a borla do barretinho muito arrebitada, escrevinhava, dobrado, cuspilhando o<br />
seu catarro. Juliana deu os bons-dias em redor, e sentou-se a um canto, direita com<br />
a sua sombrinha nos joelhos.<br />
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