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O Primo Basílio - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Julião, calado, bamboleava a perna. Agora, àqueles elogios, o seu despeito<br />

renascia; lembrava a secura cortante de Luísa, naquela manhã, as poses do outro.<br />

Não resistiu a dizer:<br />

— Um pouco sobrecarregado nas jóias e nos bordados das meias. De resto<br />

é moda no Brasil, creio...<br />

Luísa corou; teve-lhe ódio. E, vagamente, veio-lhe uma saudade de <strong>Basílio</strong>.<br />

D. Felicidade então, perguntou por Sebastião: não o via havia um século; e<br />

lamentava, porque era uma pessoa que lhe dava saúde, só vê-la.<br />

— É uma grande alma — disse com ênfase o Conselheiro. — Todavia<br />

censurava-o um pouco por não se ocupar, não se tornar útil ao seu país. — Porque<br />

enfim — declarou — o piano é uma bonita habilidade, mas não dá uma posição na<br />

sociedade. — Citou então Ernestinho, que, posto que dando-se à arte dramática, era<br />

todavia (e a sua voz tornou-se grave), segundo todas as informações, um excelente<br />

empregado aduaneiro...<br />

Que fazia ele, Ernestinho? — perguntaram.<br />

Julião tinha-o encontrado. Dissera-lhe que a Honra e paixão ia daí a duas<br />

semanas; já se estavam a imprimir os cartazes, e na Rua dos Condes já lhe não<br />

chamavam senão o Dumas filho português! E o pobre rapaz crê-se realmente um<br />

Dumas filho!<br />

— Não conheço esse autor — disse com gravidade o Conselheiro — posto<br />

que me pareça, pelo nome, ser filho do escritor que se tornou famoso pelos Três<br />

mosqueteiros e outras obras de imaginação!... Mas, de resto, o nosso Ledesma é<br />

um esmerado cultor da arte dos Corneilles! Não lhe parece, D. Luísa?<br />

— Sim — disse ela com um sorriso vago.<br />

Parecia preocupada. Fora já duas vezes ao relógio do quarto ver as horas;<br />

quase dez, e Juliana sem voltar! Quem havia de servir o chá? Ela mesma foi pôr as<br />

chávenas no tabuleiro, armar o paliteiro. Quando voltou à sala notou um silêncio<br />

enfastiado... — Queriam que fosse tocar? — perguntou.<br />

Mas D. Felicidade que olhava, ao pé de Julião, as gravuras do Dante,<br />

ilustrado por G. Doré, que ele folheava com o volume sobre os joelhos, exclamou, de<br />

repente:<br />

— Ai que bonito! Que é? Muito bonito! Viste, Luísa? Luísa aproximou-se.<br />

— É um caso de amor infeliz, senhora D. Felicidade — disse Julião. — É a<br />

história triste de Paulo e Francesca de Rimini. — E explicando o desenho: — Aquela<br />

senhora sentada é Francesca; este moço de guedelha, ajoelhado aos pés dela, e<br />

que a abraça, é seu cunhado, e, lamento ter de o dizer, seu amante. E aquele<br />

barbaças que lá ao fundo levanta o reposteiro e saca da espada, é o marido. que<br />

vem, e zás! — E fez o gesto de enterrar o ferro.<br />

— Safa! — fez D. Felicidade, arrepiada. — E aquele livro caído o que é?<br />

Estavam a ler?...<br />

Julião disse discretamente:<br />

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