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O Primo Basílio - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Luísa agitava-se no leito, apertando as mãos na cabeça, torturada pela dor<br />

crescente, cheia de sede.<br />

Mariana acabava de arrumar em pontas de pés, vagamente assombrada<br />

daquela casa, onde só vira desgosto e doença; mas só o pousar sutil dos seus<br />

passos fazia sofrer Luísa, como se fossem marteladas sobre o crânio.<br />

Julião não tardou; logo da porta do quarto, o aspecto dela inquietou-o.<br />

Acendeu um fósforo, aproximou-lho do rosto; e aquela luz fez-lhe dar um grito como<br />

se um ferro frio lhe trespassasse a cabeça.<br />

Os olhos dilatados tinham um reluzir metálico. Conservava-se muito quieta,<br />

porque o gesto mais lento lhe dava na nuca dores penetrantes que a dilaceravam. Só<br />

de vez em quando sorria para Jorge com uma expressão de aflição serena e muda.<br />

Julião fez logo pôr três travesseiros, para lhe conservar a cabeça alta. Fora<br />

caía o crepúsculo úmido. Andavam em bicos de pés, com cuidado; e mesmo tiraram<br />

o relógio da parede para afastar o tique-taque monótono. Ela começava agora a<br />

murmurar sons cansados, e a voltar-se com movimentos bruscos que lhe<br />

arrancavam gritos; ou imóvel gemia de um modo contínuo e angustioso. Tinham-lhe<br />

envolvido as pernas num longo sinapismo; mas não o sentia. Pelas nove horas<br />

começou a delirar; a língua tornara-se-lhe branca e dura, como de gesso sujo.<br />

Julião fez logo aplicar na cabeça compressas de água fria. Mas o delírio<br />

exacerbava-se.<br />

Ora tinha um murmúrio espesso, um vago rosnar modorrento — onde os<br />

nomes de Leopoldina, de Jorge, de <strong>Basílio</strong> voltavam incessantemente; depois<br />

debatia-se, esgarçava a camisa com as mãos; e, arqueando-se, os seus olhos<br />

rolavam, como largos bugalhos prateados onde a pupila se sumia.<br />

Sossegava mais; dava risadinhas de uma doçura idiota; tinha gestos lentos<br />

sobre o lençol, que aconchegavam e acariciavam, como num gozo tépido; depois<br />

começava a respirar ansiosamente, vinham-lhe expressões torturadas de terror,<br />

queria enterrar-se nos travesseiros e nos colchões, fugindo a aspectos pavorosos;<br />

punha-se então a apertar a cabeça freneticamente, pedia que lha abrissem, que a<br />

tinha cheia de pedras, que tivessem piedade dela! — e fios de lágrimas corriam-lhe<br />

pelo rosto. — Não sentia os sinapismos; expunham-lhe agora os pés nus ao vapor<br />

de água a ferver, carregada de mostarda; um cheiro acre adstringia o ar do quarto.<br />

Jorge falava-lhe com toda a sorte de palavras consoladoras e suplicantes: pedia-lhe<br />

que sossegasse, que o conhecesse; mas de repente ela desesperava-se, gritava<br />

pela carta, maldizia Juliana — ou então dizia palavras de amor, enumerava somas<br />

de dinheiro... Jorge temia que aquele delírio revelasse tudo a Julião, às criadas;<br />

tinha um suor à raiz dos cabelos — e quando ela, um momento, julgando-se no<br />

Paraíso — e nas exaltações do adultério, chamou <strong>Basílio</strong>, pediu champanhe, teve<br />

palavras libertinas, Jorge fugiu da alcova alucinado, foi. para a sala às escuras,<br />

atirou-se para o divã a soluçar, arrepelou-se, blasfemou.<br />

— Está em perigo? — perguntou Sebastião.<br />

— Está — disse Julião. — Se sentisse os sinapismos, ao menos! Mas estas<br />

malditas febres cerebrais...<br />

Calaram-se vendo Jorge entrar na alcova, com o rosto manchado,<br />

esguedelhado.<br />

E Julião tomando-o pelo braço, levando-o para fora:<br />

— Ouve lá, é necessário cortar-lhe o cabelo, e rapar-lhe a cabeça.<br />

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