O Primo Basílio - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Consolava-se então com regalos de gulodice. Durante todo o dia debicava<br />
sopinhas, croquetes, pudinzinhos de batata. Tinha no quarto gelatina e vinho do<br />
Porto. Em certos dias mesmo queria caldos de galinha à noite.<br />
— Com o meu corpo o pago — dizia ela a Joana —, que trabalho como uma<br />
negra! Arraso-me!<br />
Um dia, porém, que Jorge se irritara mais com a figura amarelada de<br />
Juliana, e que estava nervoso, ao achar à noite o jarro vazio e o lavatório sem<br />
toalha, enfureceu-se desproporcionadamente.<br />
— Não estou para aturar estes desleixos! Irra! — gritou.<br />
Luísa veio logo, inquieta, desculpar Juliana.<br />
Jorge mordeu o beiço, curvou-se profundamente e com a voz um pouco<br />
trêmula:<br />
— Perdão! Esquecia-me que a pessoa de Juliana é sagrada! Eu mesmo vou<br />
buscar água!<br />
Luísa então zangou-se: se havia de estar sempre com aqueles remoques, era<br />
mandar a criada embora por uma vez! Imaginava talvez que ela amava de paixão<br />
Juliana? Se a conservava é porque era uma boa criada. Mas se ela se tornava a<br />
causa de maus humores, de questões, se ele lhe ganhara tamanho ódio, bem, então<br />
que se fosse! Era uma seca aquela ironia constante... Jorge não respondeu.<br />
E durante a noite Luísa, sem dormir, pensava que aquilo não podia durar!<br />
Estava farta! Aturar a mulher, a sua tirania, e ouvir a todo o momento ditinhos,<br />
alusões, ah, não! Era demais! Bastava! Ele começava a desconfiar, a bomba ia<br />
estalar! Pois bem, ela mesma chegaria o lume ao rastilho! Ia mandar a Juliana<br />
embora! E que mostrasse as cartas, acabou-se! Se ele a metesse num convento, se<br />
separasse dela, bem! Sofreria, morreria! Tudo, menos aquele martírio reles, às<br />
picadinhas, medonho e grotesco!<br />
— Que tens tu? — perguntou Jorge meio a dormir, sentindo-a inquieta.<br />
— Espertina.<br />
— Coitada! Conta cento e cinqüenta para trás! — E voltou-se, enrolando-se<br />
comodamente na roupa.<br />
Ao outro dia Jorge levantara-se cedo. Devia encontrar-se com o Alonso, o<br />
espanhol das minas, e jantar com ele no Gibraltar. Depois de vestido foi à sala de<br />
jantar — eram dez horas — e voltou dizer a Luísa, com uma cortesia profunda,<br />
espaçando as palavras: — que não estava a mesa posta! Que as chávenas do chá «<br />
da véspera estavam ainda por lavar! E que a senhora D. Juliana, a ilustre senhora D.<br />
Juliana tinha saído, a seu passeio!<br />
Eu disse-lhe ontem à noite que me fosse-me ao sapateiro... — começou<br />
Luísa, que vestia o seu roupão.<br />
— Ah, perdão! — interrompeu Jorge muito cerimoniosamente.<br />
— Esqueci-me outra vez que se trata de Juliana, tua ama e senhora! Perdão!<br />
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