16.04.2013 Views

O Primo Basílio - Unama

O Primo Basílio - Unama

O Primo Basílio - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Pela manhã, Luísa não se pôde levantar.<br />

Julião, chamado à pressa, tranqüilizou-os:<br />

www.nead.unama.br<br />

— É uma febrezita nervosa. Quer sossego, não vale nada. Foi o medozinho<br />

de ontem, hein?<br />

— Sonhei toda a noite com ela — disse Luísa. — Que tinha ressuscitado...<br />

Que horror!<br />

— Ah! Pode estar sossegada... E já a aviaram, a mulher?<br />

— O Sebastião lá anda com a maçada — disse Jorge. — E eu vou dar uma<br />

vista de olhos.<br />

Na rua já se sabia a morte da Tripa Velha.<br />

A mulher que a veio amortalhar, uma matrona muito picada das bexigas com<br />

os olhos avermelhados da paixão da aguardente, era conhecida da Sra. Helena.<br />

Estiveram um momento a palrar ao sol, à porta do estanque:<br />

— Muito que fazer agora, Sra. Margarida, hein?<br />

— Bastante, bastante, Sra. Helena — disse a amortalhadeira com a voz um<br />

pouco rouca. — No inverno sempre há mais obra. Mas tudo gente velha, com os<br />

frios. Nem um corpinho bonito para vestir...<br />

A Sra. Margarida tinha predileções artísticas. Gostava de um bonito corpo de<br />

dezoito anos, uma mocinha fresca para lavar, escarolar, enfeitar... Entrouxava à má<br />

cara a gente velha. Mas com as raparigas novas esmerava-se: acatitava as pregas<br />

da mortalha; calculava o chique de uma flor, de um laço; trabalhava com os<br />

requintes ajanotados de uma modista do sepulcro.<br />

A estanqueira contou-lhe muitas particularidades sobre a Juliana, os favores<br />

dos patrões, as tafularias dela, os luxos do quarto tapetado... A Sra. Margarida diziase<br />

"banzada". E para quem agora iria tudo aquilo? — perguntavam. — A Tripa Velha<br />

não tinha parentes...<br />

— Era uma riqueza para a minha Antoninha! — disse a amortalhadeira<br />

traçando o xale com tristeza.<br />

— Como vai ela, a pequena?...<br />

— Aquilo vai mal, Sra. Helena. Aquela cabeça doida! — E exalando a sua<br />

dor com loquacidade: — Deixar o brasileiro que a trazia nas palminhas... E por<br />

quem? Por aquele desalmado, que lhe come tudo, que já lhe arranjou um filho e que<br />

a derreia com pau... Mas então, as raparigas são assim... Vão atrás do palmo de<br />

cara... Que ele é bonito rapaz! Mas um bêbedo!... Coitada!... Pois vou vestir a<br />

boneca, Sra. Helena. — E entrou na casa compungidamente.<br />

O padre já chegara também. Estava na sala com Sebastião, que conhecia de<br />

Almada, e falava de lavoura, de enxertos, das regas, numa voz grossa — passando,<br />

com um gesto lento da sua mão cabeluda, o lenço enrolado por debaixo do nariz. As<br />

janelas em toda a casa estavam abertas ao sol muito doce. Os canários chilreavam.<br />

— E estava há muito tempo na casa, a defunta? — perguntou o padre a<br />

Jorge, que passeava pela sala, fumando.<br />

— Há quase um ano.<br />

269

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!