O Primo Basílio - Unama
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O trem partiu enfim. O Rossio reluzia ao sol; do americano, parado à<br />
esquina, gente descia apressada, de calças brancas, vestidos leves, vinda de<br />
Belém, de Pedrouços; pregões cantavam. — Todos ali ficavam nas suas famílias,<br />
nas suas felicidades; só ela partia!<br />
Na Rua Ocidental, viu vir a D. Camila — uma senhora casada com um velho,<br />
ilustre pelos seus amantes. Parecia grávida; e adiantava-se devagar, com a face<br />
branca satisfeita, uma lassitude do corpo arredondado, passeando um<br />
marmanjozinho de jaqueta cor de pinhão, uma pequerrucha de sainhas tufadas, e<br />
adiante uma ama, vestida de lavradeira, empurrava um carrinho de mão onde um<br />
bebê se babava. E a Camila, feliz, vinha tranqüilamente pela rua expondo as suas<br />
fecundidades adúlteras! Era muito festejada; ninguém dizia mal dela; era rica, dava<br />
soirées... — "O que é o mundo!" — pensava Luísa.<br />
O trem parou à porta do Paraíso, era meio-dia. A portinha em cima estava<br />
fechada: e a patroa apareceu logo, ciciando que sentia muitíssimo, mas só o senhor<br />
é que tinha a chavezinha; se a senhora quisesse descansar... Nesse momento outra<br />
carruagem chegou, e <strong>Basílio</strong> apareceu galgando os degraus.<br />
— Até que enfim! — exclamou abrindo a porta. — Por que não vieste ontem?...<br />
— Ah! Se tu soubesses...<br />
E, agarrando-lhe os braços, cravando os olhos nele:<br />
— <strong>Basílio</strong>, sabes, estou perdida!<br />
— Que há?<br />
Luísa atirara o saco de marroquim para o canapé, e, de um fôlego, contoulhe<br />
a história da carta apanhada nos papéis; as dele roubadas, a cena no quarto...<br />
— O que me resta é fugir. Aqui estou. Leva-me. Tu disseste que podias,<br />
tem-lo dito muitas vezes. Estou pronta. Trouxe aquele saco, com o necessário,<br />
lenço, luvas... hein?<br />
<strong>Basílio</strong> com as mãos nos bolsos, fazendo tilintar o dinheiro e as chaves,<br />
seguia atônito os seus gestos, as suas palavras.<br />
— Isso só a ti! — exclamou. — Que doida! Que mulher! E muito excitado: —<br />
Isto é lá questão de fugir! Que estás tu a falar em fugir? É uma questão de dinheiro.<br />
O que ela quer é dinheiro. É ver quanto quer, e pagar-se-lhe!<br />
— Não, não! — fez Luísa. — Não posso ficar! — Tinha uma aflição na voz. A<br />
mulher venderia a carta, mas conservava o segredo; a todo o tempo podia falar,<br />
Jorge saber; estava perdida; não tinha coragem de voltar para casa! — Não sinto um<br />
momento de descanso, enquanto estiver em Lisboa. Partimos hoje, sim? Se não<br />
podes, amanhã. Eu vou para algum hotel, onde ninguém saiba; escondo-me esta<br />
noite. Mas, amanhã vamos. Se ele sabe, mata-me, <strong>Basílio</strong>! Sim, dize que sim!<br />
— Agarrara-se a ele; procurava avidamente com os seus olhos o<br />
consentimento dos dele.<br />
<strong>Basílio</strong> desprendeu-se brandamente:<br />
— Estás doida, Luísa; tu não estás em ti! Pode lá pensar-se em fugir? Era<br />
um escândalo atroz; éramos apanhados decerto, com a policia, com os telégrafos! t<br />
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