O Primo Basílio - Unama
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cartas. As mãos tremiam-lhe; e via, com os olhos marejados de lágrimas, a sua<br />
vergonha, a sua escravidão irem-se, dissiparem-se num fumo alvadio! Respirou<br />
completamente! Enfim! E fora Sebastião, aquele querido Sebastião!<br />
Foi então à sala, à cozinha, ver a casa: tudo lhe pareceu novo, a sua vida<br />
cheia de doçura; abriu todas as janelas; experimentou o piano; rasgou mesmo em<br />
pedaços, por superstição, a música da Medjé, que lhe dera <strong>Basílio</strong>; conversou muito<br />
com a Mariana; e saboreando o seu caldo de galinha de convalescente, com a face<br />
alumiada de felicidade:<br />
— "Que bem que vou passar agora!" — pensava.<br />
Quando sentiu no corredor os passos de Jorge que entrava, correu, deitoulhe<br />
os braços ao pescoço, e com a cabeça no ombro dele:<br />
— Estou tão contente hoje! E se tu soubesses, é tão boa rapariga a Mariana!<br />
Mas nessa noite a febre voltou. Julião, de manhã achou-a pior.<br />
Crescimentos... — disse descontente.<br />
Estava receitando, quando D. Felicidade entrou, muito excitada. Ficou toda<br />
surpreendida de ver Luísa doente; e debruçando-se sobre ela, disse-lhe logo ao<br />
ouvido:<br />
— Tenho que te contar!<br />
Apenas Jorge e Julião saíram, desabafou, sentada aos pés da cama — com<br />
uma voz ora baixa pela gravidade da confidência, ora aguda pelo ímpeto da<br />
indignação:<br />
Tinha sido roubada! Indignamente roubada! O homem que mandara a Tui, o<br />
grande ladrão, tinha escrito à Gertrudes, à criada, que não estava resolvido a voltar<br />
a Lisboa; que a mulher de virtude mudara de povoação; que ele não queria saber<br />
mais desse negócio e que até o achava esquisito; que oferecia o seu préstimo em<br />
Tui — tudo isto numa boa letra de escrevente público, num português horrível — e<br />
do dinheiro nem palavra!<br />
— Que te parece o mariola? Oito moedas! Eu, se não fosse pela vergonha,<br />
ia direita à policia... Ai! Os galegos pra mim acabaram! Por isso o Conselheiro não<br />
se chegava ao rego! Pudera! A mulher nunca lançou a sorte!... — Porque se já não<br />
acreditava na honestidade dos galegos, não perdera a fé no poder das bruxas.<br />
Que ela não era pelas oito moedas! Era pelo ferro! E depois, quem sabe<br />
onde estaria agora a mulher! Ai, era de endoidecer!... Que te parece, hein?<br />
Luísa encolheu os ombros, muito abafada na roupa, as faces escarlates,<br />
cerravam-lhe os olhos numa sonolência pesada: D. Felicidade aconselhou-lhe<br />
vagamente um suadouro, suspirando; e, como Luísa não lhe podia dar consolações,<br />
saiu para ir à Encarnação desabafar com a Silveira.<br />
Nessa madrugada Luísa piorou. A febre recrudescera. Jorge inquieto, vestiuse<br />
à pressa, às nove horas da manhã, foi buscar Julião. Descia a escada<br />
rapidamente, abotoando ainda o paletó, quando o carteiro subia, tossindo o seu<br />
catarro.<br />
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