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O Primo Basílio - Unama

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www.nead.unama.br<br />

caridade, levantar os feridos nos campos de batalha ou viver na paz de uma cela<br />

mística! Que diferente a sua vida teria sido — desta agora tão alvoroçada de cólera<br />

e tão carregada de pecado!... Onde estaria? Longe, nalgum mosteiro antigo, entre<br />

arvoredos escuros, num vale solitário e contemplativo; na Escócia, talvez, país que<br />

ela sempre amara desde as suas leituras de Walter Scott. Podia ser nas verdenegras<br />

terras de Lammermoor ou de Glencoe, nalguma velha abadia saxônia. Em<br />

redor os montes cobertos de abetos, esbatidos nas névoas, isolam aqueles retiros<br />

numa paz funerária; num céu saudoso, as nuvens passam devagar, com<br />

recolhimento; nenhum som festivo quebra a meiga taciturnidade das coisas;<br />

revoadas de corvos cortam à tarde o ar num vôo triangular. Ali viveria entre as<br />

monjas de alta estatura e olhar céltico, filhas de duques normandos ou de lordes de<br />

clãs convertidos a Roma; leria livros doces e cheios das coisas do céu; sentada na<br />

estreita janela da sua cela, veria passar nas matas baixas os altos paus dos veados,<br />

ou pelas tardes vaporosas escutaria o som distante da bagpipe, que vai tristemente<br />

tocando o pastor que vem dos vales de Calêndar; e todo o ar estaria cheio do<br />

murmúrio choroso e gotejante dos fios de água, que por entre as relvas escuras<br />

caem de rocha em rocha!<br />

Ou então seria outra existência mais regalada, no convento pacato de uma<br />

boa província portuguesa. Ali os tetos são baixos; as paredes caiadas faiscam ao<br />

sol, com as suas gradezinhas devotas; os sinos repicam no vivo ar azul; em roda,<br />

nos campos de oliveiras que dão azeite para o convento, raparigas varejam a<br />

azeitona cantando; no pátio lajeado de uma pedra miudinha as mulas do almocreve,<br />

sacudindo a mosca, batem com a ferradura; matronas cochicham ao pé da roda; um<br />

carro chia na estrada empoeirada e branca; galos cacarejam, brilhando ao sol; e<br />

freiras gordinhas, de olho negro chalram nos frescos corredores.<br />

Ali viveria, engordando, com uma quebrazinha de sono à hora do coro,<br />

bebendo copinhos de licor de rosa no quarto da madre-escrivã, copiando receitas de<br />

doces com uma letra garrafal; morreria velha, ouvindo as andorinhas cantar à beira<br />

da sua grade; e o senhor bispo na sua visita, com a pitada nos seus dedos brancos,<br />

ouviria sorrindo da boca da madre-abadessa a história edificante da sua santa morte<br />

Um sacristão, que passava, escarrou fortemente; e, como um bando de<br />

pássaros que se calam a um ruído brusco, todos os seus sonhos fugiram. Suspirou,<br />

ergueu-se devagar, foi indo para casa, triste.<br />

Foi Juliana quem veio abrir, e logo no corredor, com a voz suplicante e baixa:<br />

— A senhora por quem é perdoe, que depois estava doida! Estava com a<br />

cabeça perdida, não tinha dormido nada toda a noite. Fiquei mais aflita...<br />

Luísa não respondeu, entrou na sala. Sebastião, que vinha jantar, tocava a<br />

serenata de D. Juan — e apenas ela apareceu:<br />

— De onde vem, tão pálida?<br />

— Debilidade, Sebastião, venho da igreja...<br />

Jorge entrava do escritório com uns papéis na mão:<br />

— Da igreja! — exclamou. — Que horror!<br />

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