16.04.2013 Views

O Primo Basílio - Unama

O Primo Basílio - Unama

O Primo Basílio - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

E entrou no quarto com a cabeça ereta, o peito cheio, os passos firmes,<br />

erguendo alto o castiçal.<br />

A sua Adelaide seguia-o bocejando; estava cansada da constipação e — de<br />

uma hora de ternuras, que tivera à tardinha, com o louro e meigo Arnaldo, caixeiro<br />

da Loja da América.<br />

Àquela hora dois homens desciam de uma carruagem à porta do Hotel<br />

Central; um trazia uma ulster de xadrez, o outro uma longa peliça. Um ônibus quase<br />

ao mesmo tempo parou, carregado de bagagens.<br />

Um criado alemão, que conversava embaixo com o porteiro, reconheceu-os<br />

logo, e tirando o coco:<br />

peliça:<br />

— Oh, senhor D. <strong>Basílio</strong>! Oh, senhor visconde!<br />

O Visconde Reinaldo, que batia os pés nas lajes, rosnou de dentro da sua<br />

— É verdade, aqui estamos outra vez na pocilga!<br />

Mas àquela hora?<br />

— A que horas queria você que chegássemos? Às horas da tabela, talvez!<br />

Doze horas de atraso, essa bagatela! Em Portugal é quase nada...<br />

— Houve algum transtorno? — perguntava o criado com solicitude,<br />

seguindo-os pela escada.<br />

E Reinaldo, pisando com um pé nervoso o esparto do corredor:<br />

— O transtorno nacional! Descarrilou tudo! Estamos aqui por milagre! Abjeto<br />

país!... — E desabafava a sua cólera com o criado: tê-la-ia desabafado com as<br />

pedras da rua, tanto era o excesso da bílis: — Há um ano que a minha oração é<br />

esta: "Meu Deus, manda-lhe outra vez o terramoto!" Pois todos os dias leio os<br />

telegramas a ver se o terramoto chegou... e nada! Algum ministro que cai, ou algum<br />

barão que surge. E de terramoto nada! O Onipotente faz ouvidos de mercador às<br />

minhas preces... Protege o país! Tão bom é um como outro! — E sorria, vagamente<br />

reconhecido a uma nação, cujos defeitos lhe forneciam tantas pilhérias.<br />

Mas quando o criado, muito consternado, lhe declarou — que não havia<br />

senão um salão e uma alcova com duas camas, no terceiro andar — a cólera de<br />

Reinaldo não conheceu restrições:<br />

— Então havemos de dormir no mesmo quarto? Você pensa que o senhor D.<br />

<strong>Basílio</strong> é meu amante, seu devasso? Está tudo cheio? Mas quem diabo se lembra de<br />

vir a Portugal? Estrangeiros? É justamente o que me espanta! — E encolhendo os<br />

ombros com rancor: — É o clima, é o clima que os atrai! O clima, este prodigioso<br />

engodo nacional! Um clima pestífero. Não há nada mais reles de que um bom clima!...<br />

E não cessou de invectivar o seu país, enquanto o criado à pressa, sorrindo<br />

servilmente, punha sobre a jardineira pratos, fiambre, um frango frio e borgonha.<br />

Reinaldo vinha vender a última propriedade, e acompanhara <strong>Basílio</strong> que<br />

voltava a terminar "o secante negócio da borracha". E não cessava de rosnar<br />

soturnamente de dentro da peliça:<br />

296

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!