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O Primo Basílio - Unama

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— Tem.<br />

www.nead.unama.br<br />

Quando voltou às dez horas, com um bilhete de D. Felicidade, Luísa quis<br />

saber se havia muito calor, se fazia poeira. Sobre a mesa estava um chapéu de<br />

palha escuro, que ela estivera a enfeitar com duas rosas de musgo.<br />

Fazia um bocadinho de vento, mas para a tarde abrandava, decerto. E<br />

pensou logo: —"Temos passeata, vai ter com o gajo!"<br />

Mas durante todo o dia, Luísa em roupão não saiu do seu quarto ou da sala,<br />

ora estendida na causeuse lendo aos bocados, ora batendo distraidamente no piano<br />

pedaços de valsas. Jantou às quatro horas. A cozinheira saiu, e Juliana pôs-se a<br />

passar a sua tarde à janela da sala de jantar. Tinha o vestido novo, as saias muito<br />

rijas de goma, a cuia dos dias santos — e pousava solenemente os cotovelos num<br />

lenço, estendido sobre o peitoril da varanda. Defronte os pássaros chilreavam na<br />

figueira brava. Dos dois lados do tabique que cercava o terreno vago, agachavam-se<br />

os tetos escuros das duas ruazitas paralelas; eram casas pobres onde viviam<br />

mulheres, que pela tarde, em chambre ou de garibaldi, os cabelos muito oleosos,<br />

faziam meia à janela, falando aos homens, cantarolando com um tédio triste. Do<br />

outro lado do terreno, verduras de quintais, muros brancos davam àquele sítio um ar<br />

adormecido de vila pacata. Quase ninguém passava. Havia um silêncio fatigado; e<br />

só às vezes o som distante de um realejo, que tocava a Norma ou a Lúcia, punha<br />

uma melancolia na tarde. — E Juliana ali estava imóvel até que os tons quentes da<br />

tarde empalideciam, e os morcegos começavam a voar.<br />

Pelas oito horas entrou no quarto de Luísa — ficou pasmada de a ver<br />

vestida toda de preto, de chapéu! Tinha acendido as serpentinas na parede, os<br />

castiçais no toucador; e sentada à beira da causeuse calçava as luvas devagar, com<br />

a face muito séria, um pouco esbatida de pó-de-arroz, o olhar cheio de brilho.<br />

— O vento abrandou? — disse.<br />

— Está a noite muito bonita, minha senhora.<br />

Um pouco antes das nove horas uma carruagem parou à porta. Era D.<br />

Felicidade, muito encalmada. Abafara todo o dia! E à noite nem uma aragem! Até<br />

tinha mandado buscar uma carruagem descoberta, que num cupê, credo, morria-se.<br />

Juliana pelo quarto arrumava, dobrava, toda curiosa. Onde iriam? Onde<br />

iriam? D. Felicidade, amplamente sentada, de chapéu, tagarelava; uma indigestão<br />

que tivera na véspera com umas vagens; a cozinheira que a tinha querido comer em<br />

quatro vinténs; uma visita que lhe fizera a Condessa de Arruela...<br />

Enfim, Luísa, disse, baixando o seu véu branco:<br />

— Vamos, filha. Faz-se tarde.<br />

Juliana foi-lhes alumiar, furiosa. Olha que propósito, irem duas mulheres sós<br />

por aí fora, numa tipóia! E se uma criada então se demorava na rua mais meia hora,<br />

credo, que alarido! Que duas bêbedas!<br />

Foi à cozinha desabafar com a Joana. Mas a rapariga, estirada numa<br />

cadeira, dormitava.<br />

Fora com o seu Pedro ao Alto de São João. E toda a tarde tinham passeado<br />

no cemitério, muito juntos, admirando os jazigos, soletrando os epitáfios, beijocandose<br />

nos recantos que os chorões escureciam, e regalando-se do ar dos e das relvas<br />

dos mortos. Voltaram por casa da Serena, entraram a um quartilho no Espregueira...<br />

Tarde cheia! E estava derreada da soalheira, do pó, da admiração de tanto túmulo<br />

rico, do homem, e da pinguita d'vinho.<br />

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