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O Primo Basílio - Unama

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www.nead.unama.br<br />

criada do doutor abriu precipitadamente a vidraça. Então o Paula atravessou<br />

rapidamente a rua faiscante de sol, entrou no estanque; daí a um momento apareceu<br />

à porta, com a estanqueira, de carão viúvo; e cochichavam, cravavam olhares pérfidos<br />

nas varandas de Luísa, no cupê! O Paula, dali, arrastando as chinelas de tapete, foi<br />

segredar com a carvoeira; provocou-lhe uma risada que lhe sacudia a massa do seio;<br />

e foi enfim estacar à sua porta entre um retrato de D. João VI e duas velhas cadeiras<br />

de couro, assobiando com júbilo. No silêncio da rua ouvia-se num piano, a compasso<br />

de estudo, a Oração de uma virgem.<br />

Sebastião ao passar olhou maquinalmente para as janelas de Luísa.<br />

— Rico calor, Sr. Sebastião! — observou o Paula curvando-se. — E um<br />

regalo estar à fresca!<br />

Luísa e <strong>Basílio</strong> estavam muito tranqüilos, muito felizes na sala, com as<br />

portadas meio cerradas, numa penumbra doce. Luísa tinha aparecido de roupão<br />

branco, muito fresca, com um bom cheiro de água de alfazema.<br />

— Eu venho assim mesmo — disse ela. — Não faço cerimônias.<br />

Mas assim é que ela estava linda! Assim é que a queria sempre! —<br />

exclamou <strong>Basílio</strong> muito contente, como se aquele roupão de manhã fosse já uma<br />

promessa da sua nudez.<br />

Vinha muito tranqüilo, afetava um tom de parente. Não a inquietou com<br />

palavras veementes, nem com gestos desejosos; falou-lhe do calor, de uma<br />

zarzuela que vira na véspera, de velhos amigos que encontrara, e disse-lhe apenas<br />

que tinha sonhado com ela.<br />

O quê? Que estavam longe, numa terra distante, que devia ser a Itália,<br />

tantas as estátuas que havia nas praças, tantas as fontes sonoras que cantavam<br />

nas bacias de mármore; era num jardim antigo, sobre um terraço clássico; flores<br />

raras transbordavam de vasos florentinos; pousando sobre as balaustradas<br />

esculpidas, pavões abriam as caudas; e ela arrastava devagar sobre as lajes<br />

quadradas a cauda longa do seu vestido de veludo azul. De resto, dizia, era um<br />

terraço como de São Donato, a vila do Príncipe Demidoff — porque lembrava<br />

sempre as suas intimidades ilustres, e não se descuidava de fazer reluzir a glória<br />

das suas viagens.<br />

E ela, tinha sonhado?<br />

Luísa corou. — Não, tinha tido muito medo da trovoada. Tinha ouvido a<br />

trovoada, ele?<br />

— Estava a cear no Grêmio, quando trovejou.<br />

— Costumas cear?<br />

Ele teve um sorriso infeliz. — Cear! Se podia chamar cear ir ao Grêmio rilhar<br />

um bife córneo e tragar um Colares peçonhento!<br />

E fitando-a:<br />

— Por tua causa, ingrata!<br />

— Por sua causa?<br />

— Por quem, então? Por que vim eu a Lisboa? Por que deixei Paris?<br />

— Por causa dos teus negócios...<br />

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