O Primo Basílio - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Luísa viu logo, ao fundo, uma cama de ferro com uma colcha amarelada,<br />
feita de remendos juntos de chitas diferentes; e os lençóis grossos, de um branco<br />
encardido e mal lavado, estavam impudicamente entreabertos...<br />
Fez-se escarlate, sentou-se, calada, embaraçada. E os seus olhos muito<br />
abertos, iam-se fixando — nos riscos ignóbeis da cabeça dos fósforos, ao pé da<br />
cama; na esteira esfiada, comida, com uma nódoa de tinta entornada; nas<br />
bambinelas da janela, de uma fazenda vermelha, onde se viam passagens; numa<br />
litografia, onde uma figura, coberta de uma túnica azul flutuante, espalhava flores<br />
voando... Sobretudo uma larga fotografia, por cima do velho canapé de palhinha,<br />
fascinava-a: era um indivíduo atarracado, de aspecto hílare e alvar, com a barba em<br />
colar, o feitio de um piloto ao domingo; sentado, de calças brancas, com as pernas<br />
muito afastadas, pousava uma das mãos sobre um joelho, e a outra muito estendida<br />
assentava sobre uma coluna truncada; e por baixo do caixilho, como sobre a pedra<br />
de um túmulo, pendia de um prego de cabeça amarela, uma coroa de perpétuas!<br />
— Foi o que se pode arranjar — disse-lhe <strong>Basílio</strong>. — E foi um acaso; é muito<br />
retirado, é muito discreto... Não é muito luxuoso...<br />
— Não — fez ela, baixo. — Levantou-se, foi à janela, ergueu uma ponta da<br />
cortininha de cassa fixada à vidraça; defronte eram casas pobres; um sapateiro<br />
grisalho, batia a sola a uma porta; à entrada de uma lojita balouçava-se um ramo de<br />
carqueja ao pé de um maço de cigarros pendentes de um barbante; e, a uma janela,<br />
uma rapariga esguedelhada embalava tristemente no colo uma criança doente que<br />
tinha crostas grossas de chagas na sua cabecinha cor de melão.<br />
Luísa mordia os beiços; sentia-se entristecer. Então nós de dedos bateram<br />
discretamente à porta. Ela assustou-se, desceu rapidamente o véu. <strong>Basílio</strong> foi abrir.<br />
Uma voz adocicada, cheia de ss melífluos, ciciou baixo. Luísa ouviu vagamente: —<br />
Sossegadinhos, suas chavezinhas...<br />
— Bem, bem! — disse <strong>Basílio</strong> apressado, batendo com a porta.<br />
— Quem é?<br />
— É a patroa.<br />
O céu pusera-se a enegrecer; já a espaços grossas gotas de chuva se<br />
esmagavam nas pedras da rua; e um tom crepuscular fazia o quarto mais melancólico.<br />
— Como descobriste tu isto? — perguntou Luísa, triste.<br />
— Inculcaram-mo.<br />
Outra gente, então, tinha vindo ali, amado ali? — pensou ela. E a cama<br />
pareceu-lhe repugnante.<br />
— Tira o chapéu — disse <strong>Basílio</strong>, quase impaciente —, estás-me a fazer<br />
aflição com esse chapéu na cabeça.<br />
Ela soltou devagar o elástico que o prendia, foi pô-lo no canapé de<br />
desconsoladamente.<br />
<strong>Basílio</strong> tomou-lhe as mãos, e atraindo-a, sentando-se na cama:<br />
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