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O Primo Basílio - Unama

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E sentou-se com solenidade, dizendo a Luísa:<br />

www.nead.unama.br<br />

— Lamento que se esconda nesse recanto, D. Luísa! Na sua idade! Na flor<br />

dos anos! Quando tudo na vida é cor-de-rosa!<br />

Ela sorriu. Estava agora muito sobressaltada. A cada momento olhava o<br />

relógio. Sentia-se doente; os pés arrefeciam-lhe, uma vaga febre fazia-lhe a cabeça<br />

pesada. O seu pensamento estava na casa, em Juliana, em Sebastião, cortado de<br />

palpites, de esperanças, de terrores... E via, sem compreender, a multidão de<br />

soldados vestidos de cores bipartidas, com armas obsoletas, que marchavam,<br />

paravam numa cadência afetada, erguendo uma poeira sutil no tablado malregado.<br />

Um coro vigoroso ressoava: era a marcha arrogante e festiva dos reires alemães<br />

celebrando a alegria das excursões vitoriosas pelos países do vinho, e a posse das<br />

bolsas mercenárias cheias de sonoros risdales! E os seus olhos seguiam um<br />

barbaças corpulento, que, por cima dos gorros quadrados dos besteiros, balançava<br />

monotonamente um largo quadrado de paninho — a bandeira do Santo Império,<br />

negra, vermelha e de ouro!<br />

Mas então ergueu-se um rumor no fundo da platéia. Vozes duras<br />

altercavam. "Ordem! ordem!" dizia-se. Localistas na superior puseram-se<br />

rapidamente em bicos de pés na palhinha das cadeiras. Quatro policias e dois<br />

municipais apareceram à porta do fundo; e depois de uma troça, de risadas, foram<br />

levando um moço lívido, que cambaleava — e o lado esquerdo do seu jaquetão de<br />

pelúcia estava todo vomitado!<br />

Mas fez-se logo silêncio: o pano de fundo oscilava um pouco acotovelado<br />

pela saída festiva dos reitres e dos populares; e no palco deserto, tendo à direita um<br />

pórtico oscilante de catedral e à esquerda a portinha triste de uma casa burguesa,<br />

Valentim, com uma longa pêra, à beira da rampa, beijava sofregamente uma<br />

medalha; mas Luísa não o escutava. Pensava com o coração confrangido: que fará<br />

a esta hora Sebastião?<br />

Sebastião, às nove horas, por um nordeste agudo que torcia as luzes do gás<br />

dentro dos candeeiros, dirigia-se devagar à casa de um comissário de policia, seu<br />

primo afastado, o Vicente Azurara. Uma velha servente, engelhada como uma maçã<br />

raineta, levou-o ao quarto escolástico, onde o senhor comissário estava a cozer uma<br />

grande constipação; encontrou-o com um gabão pelos ombros, os pés embrulhados<br />

num cobertor, tomando grogues quentes, e lendo o Homem dos três calções.<br />

Apenas Sebastião entrou, tirou do nariz adunco as grandes lunetas, e erguendo para<br />

ele os olhos pequeninos, chorosos de defluxo, exclamou:<br />

— Estou com um diabo de uma constipação há três dias, que me não quer<br />

largar... — E rosnou algumas pragas, passando a mão magra e nodosa sobre uma<br />

face trigueira, de linhas duras, a que um espesso bigode grisalho dava ferocidade.<br />

Sebastião lamentou-o muito; não admirava, com a estação que ia!...<br />

Aconselhou-lhe água sulfúrica com leite fervido.<br />

— Eu, se isto não despega — disse o comissário rancorosamente -, atiro-lhe<br />

amanhã para dentro com meia garrafa de genebra; e se não for por bem, há de ir à<br />

força... E que há de novo?<br />

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