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O Primo Basílio - Unama

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www.nead.unama.br<br />

mourisca faz gemer a guitarra; em redor as mulheres com os seus corpetes de<br />

veludilho encarnado batem as mãos em cadência; e ao largo dorme uma andaluza<br />

de romance e de zarzuela, quente e sensual, onde tudo são braços brancos que se<br />

abrem para o amor, capas românticas que roçam as paredes sombrias vielas onde<br />

luz o nicho do santo e se repenica a viola, serenos que invocam a Virgem<br />

Santíssima cantando as horas...<br />

— Muito bem Sebastião! Gracias!<br />

Ele sorriu, ergueu-se, fechou cuidadosamente o piano, e indo buscar o seu<br />

chapéu desabado:<br />

— Então amanhã às sete? Cá estou, e vou-te acompanhar até ao Barreiro.<br />

Bom Sebastião!<br />

Foram debruçar-se na varanda para o ver sair. A noite fazia um silêncio alto,<br />

de uma melancolia plácida; o gás dos candeeiros parecia mortiço; a sombra que se<br />

recortava na rua, com uma nitidez brusca, tinha um tom quente e doce; a luz punha<br />

nas fachadas brancas claridades vivas, e nas pedras da calçada faiscações<br />

vidradas; uma clarabóia reluzia, a distância, como uma velha lâmina de prata; nada<br />

se movia; e instintivamente os olhos erguiam-se para as alturas, procuravam a lua<br />

branca, muito séria.<br />

— Que linda noite!<br />

A porta bateu, e Sebastião debaixo, na sombra:<br />

— Dá vontade de passear, hein?<br />

— Linda!<br />

Ficaram à varanda preguiçosamente, olhando, detidos pela tranqüilidade,<br />

pela luz. Puseram-se a falar baixo da jornada. Àquela hora onde estaria ele? Já em<br />

Évora num quarto de estalagem, passeando monotonamente sobre um chão de<br />

tijolo Mas voltaria breve; esperava fazer um bom negócio com o Paco, o espanhol<br />

das minas de Portel, trazer talvez alguns centos de mil réis, e teriam então a doçura<br />

do mês de setembro; poderiam fazer uma jornada ao Norte, irem ao Buçaco, trepar<br />

aos altos, beber a água fresca das rochas, sob a espessura úmida das folhagens;<br />

irem a Espinho, e pelas praias, sentar-se na areia, no bom ar cheio de azote vendo o<br />

mar unido, de um azul metálico e faiscante, o mar do verão, com algum fumo de<br />

paquete que passa para o Sul ao longe muito adelgaçado. Faziam outros planos<br />

com os ombros muito chegados; uma felicidade abundante enchia-os<br />

deliciosamente. E Jorge disse:<br />

— Se houvesse um pequerrucho, já não ficavas tão só!<br />

Ela suspirou. Também o desejava tanto! Chamar-se-ia Carlos Eduardo. E<br />

via-o no seu berço dormindo, ou no colo, nu, agarrando com a mãozinha o dedo do<br />

pé, mamando a ponta rosada do seu peito... Um estremecimento de um deleite<br />

infinito correu-lhe no corpo. Passou o braço pela cinta de Jorge. Um dia seria, teria<br />

um filho decerto! E não compreendia o seu filho homem nem Jorge velho; via-os<br />

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