O Primo Basílio - Unama
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www.nead.unama.br<br />
para o hospital, com uma febre, das noitadas, das canseiras! Julgava-se vagamente<br />
roubada. Começou a odiar a casa.<br />
Tinha para isso muitas razões, dizia: dormia num cubículo abafado; ao jantar<br />
não lhe davam vinho, nem sobremesa; o serviço dos engomados era pesado; Jorge<br />
e Luísa tomavam banho todos os dias, e era um trabalhão encher, despejar todas as<br />
manhãs as largas bacias de folha; achava despropositada aquela mania de se<br />
porem a chafurdar todos os dias que Deus deitava ao mundo; tinha servido vinte<br />
amos e nunca vira semelhante despropósito! A única vantagem — dizia ela à tia<br />
Vitória — era não haver pequenos; tinha horror a crianças! Além disso achava que o<br />
bairro era saudável; e como tinha a cozinheira "na mão", não é verdade? havia<br />
aquele regalo dos caldinhos, de algum prato melhor de vez em quando! Por isso<br />
ficava; se não, não era ela!<br />
Fazia no entanto o seu serviço; ninguém tinha nada que lhe dizer. O olho<br />
aberto sempre e o ouvido à escuta, já se vê! E como perdera a esperança de se<br />
estabelecer, não se sujeitava ao rigor de economizar; por isso ia-se consolando com<br />
algumas pinguinhas, de vez em quando; e satisfazia o seu vício — trazer o catita. O<br />
pé era o seu orgulho, a sua mania, a sua despesa. Tinha-o bonito e pequenino.<br />
— Como poucos — dizia ela —, não vai outro ao Passeio!<br />
E apertava-o, aperreava-o; trazia os vestidos curtos, lançava-o muito para<br />
fora. A sua alegria era ir aos domingos para o Passeio Público, e ali, com a orla do<br />
vestido erguida, a cara sob o guarda-solinho de seda, estar a tarde inteira na poeira,<br />
no calor, imóvel, feliz — a mostrar, a expor o pé!<br />
CAPÍTULO IV<br />
Pelas três horas da tarde, Juliana entrou na cozinha e atirou-se para uma<br />
cadeira, derreada. Não se tinha nas pernas de debilidade! Desde as duas horas que<br />
andava a arrumar a sala! Estava um chiqueiro. O peralta na véspera até deixara<br />
cinza de tabaco por cima das mesas! A negra é que as pagava. E que calor! Era de<br />
derreter! Uf!<br />
— O caldinho há de estar pronto, hein! — disse, adocicando a voz. — Tiramo,<br />
Sra. Joana, faz favor?<br />
— Vossemecê hoje está com outra cara — notou a cozinheira.<br />
— Ai! Sinto-me outra, Sra. Joana! Pois olhe que adormeci com dia, já luzia o<br />
dia!<br />
— E eu! — Tinha tido cada sonho! Credo! Uma avantesma cor de fogo a<br />
passear-lhe por cima do corpo, e cada pancada na boca do estômago, como quem<br />
pisava uvas num lagar!<br />
— Enfartamento — disse sentenciosamente Juliana, e repetiu:<br />
— Pois eu sinto-me outra. Há meses que me não sinto tão bem!<br />
Sorri com os seus dentes amarelados. O caldo que Joana deitava na malga<br />
branca com um vapor cheiroso, cheio de hortaliça dava-lhe uma alegria gulosa.<br />
Estendeu os pés, recostou-se, feliz, na boa sensação da tarde quente e luminosa,<br />
entrando largamente pelas duas janelas abertas.<br />
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