O Primo Basílio - Unama
O Primo Basílio - Unama
O Primo Basílio - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
— A Sra. Joana diz isso como se as outras fossem uma peste.<br />
— Que outras?<br />
— Eu, vossemecê, a mais gente...<br />
Joana sempre remexendo nas panelas sem se voltar:<br />
www.nead.unama.br<br />
— Olhe, outra não encontra vossemecê, Sra. Juliana! Uma senhora que lhe<br />
fazer tudo o que quer, e faz ela mesma o serviço! Noutro dia andava a despejar as<br />
águas. E uma santa!<br />
Aquele tom hostil de Joana exasperou-a; mas conteve-se; apesar da sua<br />
posição na casa, dependia dela para os caldinhos, os bifes, os petiscos; tinha diante<br />
dela a vaga timidez respeitosa das constituições franzinas pelos corpos possantes;<br />
pôs-se a dizer com uma voz tortuosa, ambígua:<br />
— Ora! São gênios! Gosta de arrumar. Ah, lá isso deve-se dizer, é senhora<br />
de muita ordem. Mas gosta, gosta de trabalhar. Às vezes basta-lhe ver um<br />
bocadinho de pó, agarra logo no espanador... É gênio. Tenho visto outras assim... E<br />
punha a cabeça de lado franzindo os beiços.<br />
— O que ela é, é uma santa — repetiu Joana.<br />
— É gênio! Está sempre numa labutação. Eu nunca saio sem deixar tudo<br />
brinco. Pois senhores, nunca está satisfeita. Até noutro dia, lá embaixo a passar a<br />
roupa... Eu ia a sair, pois tirei logo o chapéu, e não consenti... Olhe, quer diga? Falta<br />
de cuidados, não ter filhos... Que ela não lhe falta nada...<br />
Calou-se, remirou o pé, e com satisfação:<br />
— Nem a mim — disse reclinando-se na cadeira. Joana pôs-se a cantarolar.<br />
Não queria questões. Mas ultimamente achava tudo aquilo muito fora dos eixos, a<br />
Juliana sempre na rua, ou metida no quarto a trabalhar para si, sem se importar,<br />
deixando tudo ao deus-dará, e a pobre senhora a varrer, a passar, a emagrecer!<br />
Não, ali havia coisa! Mas o seu Pedro que ela consultara, disse-lhe com finura,<br />
retorcendo o buço: — Elas lá se entendem! Trata tu de gozar, e não te importes com<br />
a vida dos outros. A casa é boa, toca a tirar partido!<br />
Mas Joana sentia "lá por dentro" a crescer-lhe uma embirração pela Sra.<br />
Juliana. Tinha-lhe asca pelas tafularias, pelos luxos do quarto, pelas passeatas todo<br />
o dia, pelos modos de madame; não se recusava a fazer-lhe o serviço, porque isso<br />
lhe rendia presentinhos da senhora; mas quê, tinha-lhe birra! O que a consolava era<br />
a idéia de que um piparote desfazia aquela magricela! E ia tirando partido da casa<br />
também. O Pedro tinha razão...<br />
Juliana com efeito, agora, não se constrangia. Depois da cena da roupa<br />
assustara-se, porque, enfim, o escândalo podia-lhe fazer perder a posição; durante<br />
alguns dias não saiu, foi cuidadosa; mas quando viu Luísa resignar-se, abandonou-se<br />
logo, quase com fervor, às satisfações da preguiça e às alegriazinhas da vizinhança.<br />
Passeava, costurava fechada no seu quarto, e a Piorrinha que se arranjasse! Diante<br />
de Jorge ainda se continha: temia-o. Mas apenas ele saía! Que desforra! Às vezes<br />
estava varrendo ou arrumando — e, mal o sentia fechar a cancela, atirava o ferro, a<br />
vassoura, punha-se a panriar. Lá estava a Piorrinha, para acabar!<br />
226