O Primo Basílio - Unama
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www.nead.unama.br<br />
embaraçada, pôs-se a olhar para o palco muito séria: — por trás de véus<br />
sobrepostos que se levantavam, numa afetação de visão, Margarida apareceu<br />
fiando o linho, toda vestida de branco; a luz elétrica, envolvendo-a num tom cru,<br />
fazia-a parecer de gesso muito caiado; e D. Felicidade achou-a tão linda que a<br />
comparou a uma santa!<br />
A visão desapareceu num trêmulo de rebecas. E depois de uma ária,<br />
Fausto, que ficara imóvel ao fundo do palco, debateu-se um momento dentro da<br />
túnica e das barbas, e emergiu jovem, gordinho, vestido de cor de lilás, coberto de<br />
pó-de-arroz, compondo o frisado do cabelo. As luzes da rampa subiram; uma<br />
instrumentação alegre e expansiva ressoou; Mefistófeles, apossando-se dele,<br />
arrastou-o sôfrego através da decoração. E o pano desceu rapidamente.<br />
As platéias ergueram-se com um rumor grosso e lento. D. Felicidade um<br />
afrontada abanava-se. Examinaram então as famílias, algumas toaletes; e sorrindo<br />
concordaram que estava do mais fino.<br />
Nos camarotes conversava-se sobriamente; às vezes uma jóia brilhava, ou a<br />
luz punha tons lustrosos de asa de corvo nos cabelos pretos onde alvejavam<br />
camélias ou reluzia o aro de metal de um pente; os vidros redondos dos binóculos<br />
moviam-se devagar, picados de pontos luminosos.<br />
Na platéia, nas bancadas clareadas, sujeitos quase deitados namoravam<br />
com languidez; ou de pé, taciturnos, acariciavam as luvas; velhos diletantes, de<br />
lenço de seda, tomavam rapé, caturravam; e D. Felicidade interessava-se por duas<br />
espanholas de verde, que na superior imobilizavam, numa afetação casta, os seus<br />
corpos de lupanar.<br />
Um colega de Jorge, magrinho e janota, entrou então no camarote: parecia<br />
animado e perguntou logo se não sabiam o grande escândalo!... Não. E o<br />
engenheiro, com gestos vivos das suas mãozinhas calçadas numas luvas<br />
esverdeadas, contou que a mulher do Palma, o deputado, sabiam, tinha fugido!...<br />
— Para o estrangeiro?<br />
— Qual! — E a voz do engenheiro tinha agudos triunfantes. — Ai é que<br />
estava o bonito. Para casa de um espanhol que morava defronte!... Era divino! De<br />
resto — e a sua voz tornou-se grave e estava entusiasmado com o baixo!<br />
E depois de ter sorrido, olhado pelo binóculo, ficou calado, extenuado do que<br />
dissera, batendo apenas de vez em quando no joelho de Jorge, com um "Sim,<br />
Senhor!" familiar, ou um "Então que é feito?" amigável.<br />
Mas a campainha retinia finamente. O engenheiro saiu, em bicos de pés. E o<br />
pano ergueu-se devagar na alegria da quermesse, cheia de uma luz branca e dura.<br />
Casas acasteladas branquejavam no pano de fundo, nalguma colina do Reno amiga<br />
das vinhas. Escarranchado sobre uma pipa, o barrigudo e folgazão Rei Cambrinus<br />
ria enormemente, erguendo, na sua atitude de tabuleta gótica, a vasta caneca<br />
emblemática da cerveja germânica. E estudantes, judeus, reitres e donzelas, nas<br />
suas cores vivas de paninho, moviam-se de um modo automático e sonâmbulo, aos<br />
compassos largos da instrumentação festiva.<br />
A valsa então desenrolou-se languidamente, como um fio de melodia, em<br />
espirais suaves que ondeavam e fugiam: Luísa seguia os pezinhos das dançarinas,<br />
as pernas musculosas volteando no tablado; e as saias tufadas e curtas faziam<br />
como o girar multiplicado e reproduzido de vagos discos de cambraia.<br />
— Que bonito! — murmurava ela com uma felicidade no rosto.<br />
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