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ICOM International Council of Museums - Museo Estancia Jesuitica ...

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Brulon Soares: Heritage in Process in a Continent <strong>of</strong> Mixtures<br />

de uma dimensão simbólica eterna, a funcionar como um “traço mnésico”. Este traço<br />

de memória, porém, só pode ser evocado quando um indivíduo ou uma coletividade se<br />

depara com o objeto material, e deste encontro depende a sensação à qual Proust se<br />

refere.<br />

Os traços de memória estão sempre dentro de nós, estejamos cientes deles ou não.<br />

Mesmo quando um objeto faz remeter a uma memória esquecida, não é o objeto em si<br />

que nos transporta de forma poderosa, e muitas vezes inesperada, a lembranças<br />

remotas às quais pensávamos nunca mais retornar; mas são os nossos sentidos que o<br />

fazem – olfato, audição, tato, paladar (como no caso da madeleine), ou apenas a visão<br />

do objeto – ou até mesmo a lembrança deles ao nos depararmos com a sua ausência,<br />

como bem exemplifica Proulx em seu aclamado conto:<br />

He pressed his face into the fabric and breathed in slowly through his mouth and nose, hoping for the<br />

faintest smoke and mountain sage and salty sweet stink <strong>of</strong> Jack but there was no real scent, only the<br />

memory <strong>of</strong> it, the imagined power <strong>of</strong> Brokeback Mountain <strong>of</strong> which nothing was left but what he held in his<br />

hands. 20<br />

Quanto a esta memória que carregamos conosco e que pode ser evocada ao nos<br />

depararmos com o objeto, a partir de nossos sentidos, Serres descreve:<br />

Somos revestidos de uma cera mole, quente, espelho opaco, superfície reversa, riscada, pontilhada,<br />

diversa, onde se reflete um pouco o universo, onde ele escreve, onde o tempo traça sua passagem;<br />

revestidos de tábulas de cera, velha imagem da alma, vestidos de nossa inteligência, de nossa memória<br />

[...]. A pele recebe o depósito das lembranças, estoque de nossas experiências ali impressas, banco de<br />

nossas impressões, geodésicas de nossas fragilidades. Não procurem fora dela, nem dentro da memória:<br />

a pele é toda gravada, tanto quanto a superfície do cérebro, toda escrita também, talvez da mesma<br />

maneira. 21<br />

Por isso a importância de se preservar os “objetos de memória”, que fazem parte do<br />

patrimônio, sendo eles uma forma de se “encontrar” o passado; sejam objetos de valor<br />

histórico ou valor emocional para uma coletividade, eles sempre irão possuir valor<br />

patrimonial. Entre as “coisas históricas” que perduram, algumas vêm a receber o<br />

estatuto de patrimônio. Isso acontece apenas quando uma coletividade decide<br />

explicitamente conservá-las e transmiti-las, ou então, quando estas chamadas “coisas<br />

históricas” fazem referência a tal comunidade, ou estão inscritas em sua memória viva,<br />

podendo ser reconhecido nelas uma herança.<br />

A partir da idéia de que uma coletividade é que atribui o estatuto de patrimônio a<br />

objetos históricos, podemos pensar que esta atribuição de valor pode ser feita por uma<br />

comunidade com a intenção de preservar um elemento de seu passado cultural<br />

através do Museu. Neste caso o Museu se faz um instrumento que pode ser<br />

verdadeiramente utilizado pela sociedade.<br />

O Museu aqui deve ser visto como aquele – diria Bellaigue – que nasce do desejo de<br />

uma comunidade de identificar-se ou reconhecer sua memória, face a um assombro que<br />

brota do confronto com o presente 22 . E como explica Scheiner, este seria o verdadeiro<br />

museu, “que não está sujeito a um lugar específico, mas que é fato dinâmico,<br />

20<br />

PROULX, Annie. Brokeback Mountain. p.20. Ele pressionou seu rosto contra o tecido e respirou<br />

lentamente pela sua boca e nariz, esperando sentir o mais fraco vestígio de fumaça ou vegetação da<br />

montanha e o fedor agridoce de Jack mas ali de fato não havia nenhum cheiro, apenas a memória<br />

dele, o poder imaginado da montanha Brokeback da qual nada havia restado a não ser o que<br />

segurava nas mãos. (tradução nossa)<br />

21<br />

SERRES, Michel. Os cinco sentidos. Filos<strong>of</strong>ia dos corpos misturados. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,<br />

2001. p.71.<br />

22<br />

BELLAIGÜE, Mathilde. Memória, Espaço, Tempo e Poder. In: ENCONTRO [ANUAL] DO GRUPO<br />

REGIONAL DO COMITÊ INTERNACIONAL DE MUSEOLOGIA PARA A AMÉRICA LATINA E O<br />

CARIBE / ICOFOM LAM (2). Quito, Equador. 18 julho / 23 julho 1993. Coord. Lucia Astudillo, Nelly<br />

Decarolis, Tereza Scheiner. Museus, <strong>Museo</strong>logia, Espaço e Poder na América Latina e no Caribe.<br />

Quito: Organização Regional do Conselho Internacional de Museus para a América Latina e o Caribe /<br />

<strong>ICOM</strong> LAC. 1994.<br />

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