O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
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o amor-conserva<br />
o amor-reserva<br />
na estufa morna<br />
seminal.<br />
O amor em frasco<br />
exposto à escolha<br />
com o preço e o rótulo<br />
da procedência. (PP, p. 26)<br />
O homem, aqui, é comparado ao gado, pois ambos vivem numa mesma era em que<br />
o desejo corporal é refreado e a reprodução se dá então através de tubos de ensaio. É assim<br />
que temos, então, o “rebanho humano”, com a aproximação entre o homem e o boi. Através<br />
dessa analogia, faz Rivera com que pensemos na condição de vida que o homem leva, obriga-<br />
nos a parar para refletir sobre as nossas ações e sobre as dos seres humanos como um todo.<br />
Não poderíamos esquecer de detectar, entre a ironia pungente contida em vários de<br />
seus poemas e a realidade marcante, também um certo humor sutil, que não se apresentando<br />
como gratuito, também não se faz um tour de force de sua poesia. Exemplo disso é a epígrafe<br />
de “Fábula do Boi Filósofo”, indicando ser o poema destinado “À memória do Boi Espácio,<br />
do Boi Rabicho e da Vaca do Burel” (PP, p. 39). Não sendo uma sátira, dá a epígrafe tão<br />
somente um tom mais real aos versos do poema, que trazem como eu lírico um boi que é<br />
levado em um vagão de trem para um matadouro na cidade. Ao mesmo tempo em que a<br />
epígrafe colabora com a condição de se ter um eu lírico “boi”, dá-se, de qualquer forma, um<br />
tom humorístico pelo inusitado de o poema ser destinado a outros seres que, assim como a<br />
voz do poema, também são gado bovino.<br />
Dividido em quatro partes, vem a primeira delas mostrar o boi já em seu trajeto,<br />
discutindo sua condição e a de seus companheiros como a de bois tranqüilos, mas que apesar<br />
disso se encontravam “enjaulados em aço/ como se fôssemos feras” (PP, p. 39). O humor<br />
também se faz presente, causando-nos com ela, entretanto, como provavelmente deve ter sido<br />
o intento do poeta, a comoção, em virtude da raiva desse boi ao narrar os maus tratos sofridos:<br />
Levamos no lombo as marcas<br />
do nome de nossos donos<br />
alfabeto do diabo<br />
gravado na carne viva:<br />
“F F” – ferro em fogo<br />
“C Q” – cheiro queimado<br />
“P T” – pele tostada<br />
“B C” – brasa no couro. (PP, p. 40)<br />
102<br />
Para saber a quem o animal pertence, comumente os donos fazem uso de uma<br />
prática dolorosa para os animais, que é a da ferra, que consiste em esquentar um ferro em