O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
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desencantada, pouco se iludindo o poeta com as promessas da vida”, 18 a de Rivera também se<br />
mostra enternecida com o sofrimento humano. Neste poema de teor hermético, temos a voz<br />
do poema a atestar a sua própria tristeza e o seu modo esquivo de ser; em tais versos traz<br />
Rivera uma chave para o entendimento de sua poesia, pois a indica como um “protesto”<br />
escondido, comprovando o uso de sua poesia como ferramenta delatora dos males que<br />
encontra na sociedade.<br />
O crítico Linhares Filho, mesmo detectando a tristeza na poesia de Drummond,<br />
acredita também que “É na contemplação do cotidiano que quase de todo se convence o poeta<br />
da inutilidade das coisas, da própria existência, e é nessa atitude, ainda, que nos transmite uma<br />
força incomum de essencialidade e espírito universal, debruçando-se sobre o destino dos<br />
homens”. 19 Nos poemas de Drummond, sempre nos deparamos com um eu lírico que nos traz<br />
uma nova visão acerca da vida e dos acontecimentos banais, dando-nos maiores perspectivas<br />
do mundo, como em “Soneto da Perdida Esperança”, em que o poeta inicia dizendo:<br />
Perdi o bonde e a esperança.<br />
Volto pálido para casa.<br />
A rua é inútil e nenhum auto<br />
passaria sobre meu corpo. 20<br />
Drummond expõe um fato habitual, o ato de perder “o bonde”, que toma uma<br />
proporção maior que a por nós esperada pelo inusitado de ser associado ao substantivo<br />
abstrato “a esperança”; e isso porque a sua esperança, naquele exato momento, era a de pegar<br />
o bonde. Veículo não alcançado, esperança perdida; e daí tudo, toda “a rua é inútil”. De<br />
sensibilidade apurada, o autor de Boitempo ainda traz em seu poema o pensamento desconexo<br />
do eu lírico imaginando – e no mesmo instante refutando tal idéia – um auto passando sobre<br />
si. Rivera também assume característica semelhante, abrindo os nossos olhos para a<br />
complexidade da vida, desvendando assim o que já havia se tornado automático para nós, ou<br />
melhor, o que, pela cotidianidade, não se permitia mais ser analisado com tal apuro. Vejamos,<br />
a título de exemplo, os últimos versos do poema “O Poeta na Sapataria Aquário”, que, como o<br />
próprio título já evidencia, refere-se a uma simples compra de sapato realizada pelo eu lírico:<br />
Vejo os pés em mergulho,<br />
dedos de esponja,<br />
saltos de coral e espuma.<br />
Rolam as salamandras sob a perna,<br />
18<br />
LINHARES FILHO. O amor e outros aspectos em Drummond. p. 19<br />
19<br />
Ibidem, p. 19<br />
20<br />
ANDRA<strong>DE</strong>, Carlos Drummond de. Literatura comentada. p. 47<br />
21