O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
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O poema nos traz uma situação realística, onde o boi, em um frigorífico, é<br />
inteiramente cortado, retalhado e exposto para ser vendido aos pedaços, que assumem formas<br />
e cores diversas para o agrado da clientela. Assume então o boi aquele estereótipo em que o<br />
vemos “na casa de carnes”, como se esse animal nunca tivesse tido verdadeiramente vida,<br />
como se aquela forma empacotada fosse o seu jeito próprio de ser, tornando-se assim esse<br />
“estranho boi/ pré-fabricado”. Rivera nos faz pensar, então, na “matança fria” (MS, p. 62) de<br />
tais animais, pois de fato, quando buscamos carne bovina (ou outro tipo qualquer) em um<br />
frigorífico, não imaginamos necessariamente aquele ser com vida ou todo o processo por que<br />
ele passou para chegar àquele estágio.<br />
Toda a primeira parte do livro Pasto de pedra é dedicada à questão bovina.<br />
Intitulada Situação da Pecuária, traz o boi em diversos aspectos, como em “Indústria de<br />
Pentes”, em que o que interessa é o chifre do boi, com o que “João Limitado” e família fazem<br />
pentes para o sustento de todos. Vejamos o trecho:<br />
Nem todo boi<br />
fornece o pente:<br />
touro indiano<br />
tem chifre curto<br />
endurecido<br />
mas boi carreiro<br />
é especial<br />
guampo arqueado<br />
e colorido. (PP, p. 31)<br />
O elemento “boi” vai assumir, nos poemas de Rivera, uma conotação bem maior.<br />
Porém, resguardamo-nos de maiores comentários para tratar sobre ele em tópico específico.<br />
Por ora, podemos dizer que o trecho escolhido fala tão-somente em uma forma de ganhar<br />
dinheiro por meio da exploração de uma parte do boi, que no caso é o seu chifre; mas há<br />
poemas mais que trazem esse animal no contexto da industrialização, outros que vertem para<br />
uma óptica metafísica, tomando assim o boi uma proporção muito maior do que a esperada.<br />
Essa poesia envolvendo o gado bovino é uma grande característica da poesia<br />
mineira, sendo detectada tal temática em décadas posteriores às primeiras obras de<br />
Drummond e de Rivera, como nos seguintes versos do mineiro Pascoal Motta:<br />
eu vi na cara tão triste<br />
do boi cortado no açougue:<br />
tinha a expressão do que fica<br />
em dor de fina agonia 26<br />
26 MOTTA, Pascoal. In: BRASIL, Assis. A poesia mineira no século XX. p. 158<br />
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