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O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA

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formato de letra – com as iniciais do nome do proprietário – e queimar a pele do boi de modo<br />

visível para quem o encontre, caso ele fuja ou se misture com outros animais de sua espécie. É<br />

assim que o boi filósofo do poema chama tais letras de “alfabeto do diabo”, pois este ato os<br />

fere, machuca-os fisicamente, demonstrando aí todo o ódio por ele sentido somente pelo fato<br />

de falar sobre o referido assunto.<br />

vida. Diz ele:<br />

O final da primeira parte consiste numa panorâmica da viagem do boi e de sua<br />

Longe, bezerros pastando,<br />

lavadeiras no córrego<br />

e fazendas que se apagam<br />

nas invernadas do orvalho. (PP, p. 41)<br />

103<br />

Com a aproximação do momento de sua morte, o boi vai observando, do trem, os<br />

locais por onde passa; o que faz com que ele realize uma retrospectiva de sua existência.<br />

Lembra o boi, então, de quando nasceu e de sua infância, de quando cobria novilha e quando<br />

se cevava; e agora se encaminha para a morte. É triste o fato de este animal saber de sua<br />

condição de ser-para-a-morte; a nosso ver, ele só toma consciência de sua vida, de tudo por<br />

que já passou, somente porque entendeu a efemeridade de sua existência, somente porque<br />

descobriu que de fato iria morrer. Mais uma vez, somos aqui levados a beber na fonte da<br />

filosofia heideggeriana para que sejamos capazes de adentrar na poesia de Rivera e detectar o<br />

pensamento desse eu lírico. Para o filósofo alemão, “O ser-para-a-morte em sentido próprio<br />

significa uma possibilidade existenciária da presença”. 111 O ato de pensar na morte como a<br />

possibilidade de não estar mais presente, não estar mais no mundo, abre ao ser que se indaga<br />

as possibilidades do que ele, como um ser que ainda não experimentou a morte, é capaz. O eu<br />

íntimo em “Fábula do Boi Filósofo”, mesmo não mais sendo capaz de realizar tudo aquilo que<br />

ele relembra já ter vivido, uma vez que se encaminha para a morte, pensa no que fez em vida,<br />

e entende que já fora, outrora, capaz de tudo aquilo que ele vai recordando.<br />

Talvez o boi que dá voz ao poema nunca tivesse pensado em tudo por que já<br />

passou. Porém, agora que sabe estar próximo o seu fim, vem falando sobre os mínimos<br />

elementos que entraram em contato com ele e até sobre os que ele apenas percebia, sem dar,<br />

possivelmente, muita atenção:<br />

Adeus, menino da guia<br />

despenteado no vento.<br />

111 HEI<strong>DE</strong>GGER, Martin. Ser e tempo II, p. 43

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