O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
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obras, de tom acentuadamente religioso, esculpindo Jesus e seu semblante “doloroso e<br />
trágico/ nos altares de Minas” (MPBR, p. 146); mas seria também mago, feiticeiro, pela<br />
façanha de realizar tais obras mesmo apresentando deficiência física, conseguindo esculpir<br />
com tamanha perfeição de formas; brusco e fosco pelas características mais marcantes da<br />
corrente a que ele estava ligado, realizando algo que oscilava entre a dúvida do apego a Deus<br />
ou o carpe diem; tosco e fusco por sua aparência disforme, com a doença degenerativa, assim<br />
como por seu modo de ser, de caráter melancólico.<br />
150<br />
É ainda no mesmo poema analisado que o poeta atesta, sem adornos ou<br />
eufemismos, a doença degenerando o corpo de Aleijadinho, que perde, irremediavelmente,<br />
todos os dedos da mão:<br />
Cai o dedo<br />
polegar<br />
no ar.<br />
Cai o dedo<br />
indicador<br />
de dor.<br />
Cai o dedo<br />
anular<br />
no sal.<br />
Cai o médio<br />
sem remédio.<br />
Cai o mínimo.<br />
Caem todos<br />
um a um.<br />
Mãos<br />
sem nenhum. (PP, p. 144)<br />
Como percebemos, Bueno de Rivera nos repassa, de forma bem trágica, um fato<br />
por nós já conhecido: a doença a agravar-se e a flagelar o corpo do pobre artista barroco.<br />
Entretanto, é aí que ele mais ainda se empenha em realizar belíssimas obras, como as figuras<br />
de “Isaias”, “Jeremias”, “Amós”, Oséas”, “Ezequiel”, e muitas outras no poema descritas.<br />
No final temos a morte desse artista, com a crítica aos costumes sociais, pois<br />
mostra a falta de comiseração da sociedade para com aquele que dedicou sua vida a realizar<br />
obras de arte para o agrado do povo:<br />
Frio e só<br />
no jirau.<br />
Morto e só.<br />
Ninguém.<br />
Nem o presidente<br />
nem o intendente<br />
nem o confessor.