O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
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empurram umas às outras, não são todos seres humanos com as mesmas qualidades<br />
e aptidões, e com o mesmo interesse em serem felizes? 169<br />
Esse fato de não encontrar afetividade nos seres humanos dá à voz do poema em<br />
análise uma visão pessimista da vida em sociedade, pois mostra que os homens acabam por<br />
verter “ódio” pelos seus semelhantes, bem como ter “medo” deles. Perdendo, aos olhos do<br />
poeta, sentimentos dos que mais nos humanizam, como a “ternura” e o “afeto”, o poema<br />
refere-se aos seres humanos, na penúltima estrofe, não mais como homens, e sim como<br />
“Corpos”, ou melhor, coisas, pois não apresentam “nenhum afeto”.<br />
Em vários poemas Rivera menciona o trânsito da cidade grande – evolução urbana<br />
que serviu de mote para inúmeros poetas. Para o poeta mineiro, o trânsito também era, além<br />
de magnífico, grotesco e tremendo. Em “Os Destinos Urbanos” este fator é evidenciado:<br />
O tráfego é previamente fixado<br />
e todos os sensatos vivem seu minuto.<br />
Onde está o louco para um discurso<br />
sobre os acontecimentos futuros? (LP, p. 86)<br />
De maneira sóbria, Rivera indica a necessidade de se adequar àquele movimento<br />
cronometrado, que mais parece transformar o homem em máquina do que deixá-lo inserido no<br />
processo civilizatório. Contudo, é a própria voz do poema quem chama os seres humanos que<br />
se adequam a esse ritmo de “sensatos”, deixando clara (mas também mostrando com isso<br />
ironia) a obrigação de segui-lo. O trecho, de maneira nostálgica, ainda faz referência ao<br />
“louco”, que entendemos ser uma espécie de “profeta”, pelo poder que ele apresenta de falar<br />
“sobre os acontecimentos futuros”. Tais homens, entretanto, parecem não mais realizar suas<br />
profecias à época descrita, provavelmente por estarem desacreditados em meio à sociedade<br />
tecnocrata do poeta.<br />
A referência ao “louco” é algo muito interessante, pois indica a necessidade da<br />
visão lírica, hermética, em um mundo que tendia para a racionalidade, para a objetividade.<br />
Essa característica foi captada e trabalhada por inúmeros outros poetas da geração modernista,<br />
assim como vários críticos literários, como Salete Cara, que, percebendo a dialética da<br />
objetividade-subjetividade na poesia moderna, profere na introdução de seu A poesia lírica:<br />
O poeta moderno, jogado na grande cidade cosmopolita percebe, com<br />
nitidez cada vez maior, os contornos ilusórios da antiga crença: a crença numa<br />
relação, plena de sentido, entre poeta (o “eu” da poesia?) e realidade (objetiva ou<br />
169 BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. p. 114-5