O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
tirasse os afetos e os sentimentos. Aparecendo tenuemente, o urbano é visto no poema não<br />
como o tema central; na verdade, o motivo maior é o homem, em todas as suas relações. O ser<br />
humano em sociedade é depreendido por Rivera de maneira natural; a partir daí é que vão<br />
aparecendo as preocupações exitencialistas.<br />
O livro de poemas Luz do pântano já explora mais essa tendência da poesia<br />
participativa, em especial na sua terceira e última parte, “O Tempo”, onde se nota a<br />
perspicácia do poeta na análise das relações sociais, como exemplifica o poema “Solidão dos<br />
Corpos”, que transcrevemos a seguir:<br />
Mãos que não se tocam<br />
no mesmo hemisfério.<br />
Lábios que se unem,<br />
porém, tão distantes.<br />
Pés pisando o mesmo<br />
asfalto, o mesmo lírio.<br />
Ruas que se cruzam,<br />
nunca paralelas.<br />
Um olho entre milhões<br />
divaga solitário.<br />
Somente a paisagem<br />
humana, sem ternura.<br />
Corpos na profunda<br />
solidão dos tempos<br />
se movendo inúteis<br />
na desesperança.<br />
Homens tangidos<br />
pelo ódio e o medo<br />
numa rua densa<br />
sem nenhum afeto. (LP, p. 69-70)<br />
168<br />
Rivera delata, na concisão de seus versos, a solidão humana em nível diverso<br />
daquele que acontece com o homem misantropo ou sem companhia. Traz ele, no poema em<br />
questão, um eu lírico que vive no meio social, mas que se sente solitário “entre milhões”. Essa<br />
solidão, contudo, não o deixa separado da sociedade; ela é também, seguindo a filosofia de<br />
Heidegger, uma maneira de o ser humano encontrar-se no meio social, pois segundo o<br />
filósofo da Floresta Negra, “Mesmo o estar-só da pre-sença é ser-com no mundo”, 167 isto é, o<br />
sentir-se só “entre” muitos mostra que o ser que assim se sente vivencia essa estranheza por<br />
captar a sociedade e a si próprio nela inserido. Seguindo o existencialismo-ontológico<br />
heideggeriano, pois, temos que a voz do poema em análise, encontrando-se solitária (embora<br />
167 HEI<strong>DE</strong>GGER, Martin. Ser e tempo. p. 172