O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
120<br />
A ligação com os postulados da psicologia de Bergson também é notória quando<br />
da análise do poema em questão, como esse “olho da memória” deixa evidente pela locução<br />
adjetiva que segue esse outro elemento sintomático para a poesia de Bueno de Rivera. O<br />
“olho”, aparecendo em meio ao mundo submerso do poeta, é o elemento delator dos<br />
sofrimentos humanos, sendo estes percebidos por causa do fator consciência inerente à<br />
“memória”.<br />
Outra construção interessante, porém bem menos hermética que as ocorridas na<br />
primeira estrofe, é a do terceiro verso da sexta estrofe, em que o ambiente submerso pelas<br />
águas vai tomando maiores proporções no poema, e assim contamos com outros elementos<br />
mais a sofrerem com o poder dessas águas, como os “Navios” que acabam por naufragarem, e<br />
assim, são tidos como “mortos”. Outras figuras aquáticas também aparecem no poema, como<br />
“o polvo”, “os recifes” e “os corais”, denotando que a água é de fato um Leitmotiv em sua<br />
poesia. É com o intuito de proferir tudo o que pensa e da maneira como pensa, que Rivera<br />
então encontra o seu verdadeiro ser poético; e de fato, isso é poesia: a fundação do ser na<br />
palavra, conforme a concepção de Hölderlin, 131 convergindo com os postulados de Heidegger.<br />
Outro poema de Mundo submerso, também interessante de ser observado na<br />
íntegra pela forma como fora arquitetado e pela aproximação com os movimentos literários<br />
depreendidos, é “O Bêbado no Cemitério”: primeiramente porque ele não segue a estrutura<br />
formal de um poema, constituindo-se em um caso ímpar em toda a poética de Rivera; e depois<br />
porque parece nele convergirem as tendências por nós analisadas neste subtópico, que são o<br />
caráter neo-romântico, o neo-simbolista e o surrealista. Observemo-lo:<br />
Ó mesa branca mar de mármores túmulos copos bigodes e espumas fantasmas<br />
mundo disforme rolando na vitrola imenso bar na madrugada o frio na testa longos<br />
pensamentos desfiando nas mãos que procuram apoio no espaço o insolúvel espaço<br />
sem amigos sem berços sem amas apenas a lembrança da mulher com um lírio na<br />
mão rindo louca no espelho enquanto o passo no caos descobre o primeiro ovo a<br />
primeira palavra o riso dos filhos longamente esperados e mortos ao nascer e eu<br />
chorando estou chorando deante do palhaço do garçom damas pálidas milionários<br />
frios vida acabada paisagens extintas recalques casas copos chopes luar rosas<br />
ciúmes pés decepados manhã profunda dedos na garganta sangue nos cabelos<br />
choro no hospital pedras na vidraça tosse de criança campainha aflita avô maluco<br />
soldados de muleta moças nuas mar belo mar de túmulos ondas de uísque camélias<br />
de espuma mulher na fumaça portões eternos fechados o olho rolando a cabeça<br />
rolando o éter o sono vem o sono é o sono o sol no vácuo. (MS, p. 37)<br />
Examinando o poema de forma global, temos que ele apresenta, em toda a sua<br />
estrutura, elementos desconexos, inicialmente pela ausência de pontuação, e depois pela<br />
131 Conf. BLANC, Mafalda de Faria. Estudos sobre o ser. p. 309