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O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA

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Ninguém vê o negro e o negro aí está.<br />

Cuidado, não ande nas praias,<br />

o negro campeia no abismo sereno.<br />

Cuidado, não chore que o negro não gosta.<br />

Ele bebe o pranto do inconsolável<br />

e acende delírios nos olhos dos mansos.<br />

É o negro, ele vem!<br />

Cuidado, não durma que a sombra do negro<br />

é sempre presente<br />

no sonho e na vida. (MS, p. 59)<br />

Concretizando a maldade humana na figura do “negro”, Bueno de Rivera cria no<br />

referido poema um ser que poderia ser encarado, pelo leitor menos avisado, como uma forma<br />

de preconceito racial. Contudo, conhecendo o intuito poético do poeta mineiro, bem como seu<br />

caráter moral, afirmamos que o substantivo que dá origem ao título do poema foi escolhido<br />

como sinônimo de “trevas”, “maldade”, antônimo de “luz”, “perfeição”, “bondade”. O<br />

“negro” seria, então, nada mais que uma outra face do nosso próprio ser; um pensamento<br />

malévolo que ora povoa nossa mente; uma atitude por nós tomada contrária ao bem estar de<br />

nossos semelhantes. Eis aí o porquê do cuidado solicitado pelo eu lírico para que não o<br />

encontremos ou o despertemos. O crítico literário Oscar Mendes chega mesmo a afirmar que<br />

“a sombra do negro, que consegue por vezes estragar os sonhos e a vida dos poetas, pode ser<br />

o demônio da facilidade, o respeito irrestrito aos modelos, aos amigos ‘críticos’ e aos críticos<br />

amigos”. 163<br />

O primeiro verso do poema, meio enigmático, dá-nos a noção do caráter abstrato<br />

desse ser que “Ninguém vê”, mas que “aí está”, corroborando com o ponto de vista por nós<br />

levantado de que ele se refere a olgo abstrato, e não ao homem desta cor. O “negro”, ou<br />

melhor, a maldade que pode haver em nosso pensamento, pode ser contra nosso próprio ser,<br />

atentando contra a nossa vida – note-se que pelo fato de o negro campear “no abismo sereno”,<br />

poderíamos imaginar a intenção de se cometer suicídio –, ou contra os outros, com esse ato de<br />

acerder “delírios nos olhos dos mansos”, que seria, na verdade, a ação de aplicar a cólera até<br />

naqueles que usualmente são pacíficos.<br />

Os três últimos versos são bastante efusivos, chegando a pedir, hiperbolicamente,<br />

para que não durmamos – o que deve ser considerado como um pedido para que sejamos<br />

sempre vigilantes –, pois a maldade está “no sonho e na vida”. Isso significa que a maldade<br />

humana é um fato, existindo tanto na sociedade como um todo, uma vez que ela está presente<br />

163 MEN<strong>DE</strong>S, Oscar. Poetas de Minas. p. 187<br />

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