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O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA

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Provavelmente esse poema deve ter sido o resultado de uma árdua labuta artística,<br />

merecendo o belo título de “Canto do Afogado”, que seria então a sua bandeira, a sua oração,<br />

o cântico de todo aquele que, assim como ele, sentisse-se similarmente “afogado” pelos<br />

transtornos e dificuldades da vida. Encerrando o poema, busca ainda frases mais herméticas,<br />

trazendo uma maior complexidade para o desfecho deste. A figura do “peixe” poderia ser uma<br />

conseqüência do meio aquoso, ambiente onde o poema ocorre; mas ainda temos os “cordeiros<br />

da infância”, ou até mesmo esta “origem”, que nos remeteria a um momento semelhante ao do<br />

surgimento da vida na Terra, em que os seres unicelulares surgiam a partir da água. Os<br />

“cordeiros” seriam, seguindo uma visão bíblica, uma referência ao que é puro, sagrado; e<br />

assim sendo, teríamos um mundo novo, recriado, onde as crianças evocariam a pureza.<br />

É interessante como, através do poder da imaginação, o ser humano é capaz de<br />

criar imagens e elementos fictícios, comprovando a liberdade de seu espírito. Porém, muito do<br />

que nos cerca nesse meio material em que estamos inseridos influencia-nos sobremaneira; é o<br />

que o filósofo francês Henri Bergson explica em sua obra Matéria e memória, falando sobre a<br />

união do corpo e da alma, da matéria e do espírito. Diz o estudioso, referindo-se à memória<br />

humana e às lembranças tidas por nós, que:<br />

[...] não há percepção que não esteja impregnada de lembranças. Aos dados<br />

imediatos e presentes de nossos sentidos misturamos milhares de detalhes de nossa<br />

experiência passada. Na maioria das vezes, estas lembranças deslocam nossas<br />

percepções reais, das quais não retemos então mais que algumas indicações,<br />

simples “signos” destinados a nos trazerem à memória antigas imagens. 98<br />

Observando poeticamente o seu mundo, as suas vivências, e associando todos os<br />

momentos difíceis e angustiantes por que passou, cria o poeta mineiro uma analogia entre tais<br />

elementos, surgindo daí figuras como a do homem afogado e a do náufrago, bem como a de<br />

um mundo submerso. O drama da criança que sentia faltar-lhe a força necessária para vencer<br />

as águas é a fonte inspiradora desse tema recorrente em quase toda a sua produção poética. A<br />

percepção de Rivera, ainda de acordo com Bergson, é o que o permite realizar tal<br />

representação, pois para o teórico,<br />

98 BERGSON, Henri. Matéria e memória. p. 30<br />

Uma certa margem é portanto necessariamente deixada desta vez à fantasia; e, se os<br />

animais não se aproveitam muito dela, cativos que são da necessidade material,<br />

parece que o espírito humano, ao contrário, lança-se a todo instante com a<br />

totalidade de sua memória de encontro à porta que o corpo lhe irá entreabrir: daí os<br />

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