Após uma série de acontecimentos narrados no poema, retratando toda uma vivência, chegamos à última estrofe, onde não se tem mais o crescimento do ser, mas tão somente o momento em que o eu lírico, falando com seu interlocutor, profere: “E dormes...”, mostrando com isso que em um determinado momento da nossa existência deixamos de exercer nossas funções, ficando impossibilitados de agir, pois estaremos, como diz o poema, dormindo. É a visão da morte e a angústia de um dia não estar mais presente na natureza o que faz com que o poeta busque, em seu poema, retratar a vida e a sua perenidade; haverá um tempo, para cada um de nós, em que “O anúncio da manhã, as chaves na porta, os pássaros,/ nada” conseguirá nos “acordar”, quer dizer, perderemos nossa qualidade de Dasein, com nossa “vontade, anseio, desejo, inclinação, impulso”; 92 não seremos mais capazes de despertar. Para fazer referência a essa situação, cita Rivera ações que geralmente nos despertam pela manhã, especialmente para alguém que tenha uma vivência como a que ele teve em sua juventude, em um ambiente não muito populoso, calmo e simples, em que os primeiros raios solares, o canto dos pássaros, ou mesmo o ato de alguém abrir a porta, seria o bastante para acordar alguém pela manhã. Analisando os processos estilísticos de composição do poema, ainda poderíamos destacar um fato interessante: dos quarenta versos que compõem o poema, doze deles são decassílabos, variando entre heróicos e sáficos; outro grande número de versos são undecassílabos (nove deles), e outros mais contêm um número que varia entre doze e quatorze sílabas poéticas. Rivera não é, portanto, seguidor da métrica perfeita, apesar de não ser adepto da frouxidão do verso livre como fizeram nossos primeiros modernistas. Os dois últimos versos, contidos no nosso exemplo, são decassílabos sáficos, terminando assim o poema seguindo a métrica. Ainda em relação à morte, poderíamos analisar o poema “O Morto-Vivo”, de Mundo submerso, de onde selecionamos a terceira parte: Abriram o túmulo, não te viram, amigo. Encontraram, apenas, os negros sapatos comprados na festa, ainda lustrosos, os cabelos soltos, e as flores secas cobrindo os ossos. Ali não estavas. 92 JOLIVET, Régis. As doutrinas existencialistas: de Kierkegaard a Sartre. p. 117 72
Frasco vazio, era o teu túmulo. Amigo, que é feito da tua essência? Em que, afinal, te transformaste? Talvez num verme que ora se arrasta entre os ornatos dos mausoléus. Talvez num lírio que se abriu, tímido, na cova rasa do proletário. Abriram o túmulo, não te encontraram. Mãos impassíveis não eram as tuas. Olhos tão fundos, nem se parecem teus olhos claros chorando o mundo. Amigo, é inútil esta procura. Apenas, resta ao desespero dos que ficaram a tua idéia, a branca idéia invisível, constante como um perfume. Abriram o túmulo, lá não estavas. És o inquieto, o redivivo, pois te sentimos mais perto agora, mais forte, eterno ao nosso lado, dizendo: Vamos, não descanseis, vamos, busquemos a aurora, amigos! (MS, p. 44-5) O poema traz um eu lírico que, em busca de certo amigo já falecido, acaba por entender estar ele ainda presente naquele ambiente, pois permanecem suas idéias no meio em que antes habitava. Bastante místico, o poema desperta vários questionamentos de cunho filosófico, pois trata do tema da morte, do nosso caráter físico e perecível, bem como da nossa interpretação acerca do fenômeno da morte. Inicialmente temos a busca ocorrida à procura do amigo, sendo esta, contudo, em vão, pois o mesmo não mais se encontrava em seu túmulo; tudo o que restou, na catacumba, 73
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