O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
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Há, na sua indagação, muito mais que o mero desejo de auto-analisar-se; quer<br />
Rivera nos colocar diante de uma situação em que somos obrigados a admitir nosso erro, pois<br />
já quando o eu lírico se pergunta sobre o porquê de “não ser como os outros”, deixa explícito<br />
que a preocupação por ele sofrida é um caso raro, não afetando a grande maioria das pessoas.<br />
Todos nós, então, somos inseridos nessa classificação de seres imparciais diante da tristeza<br />
alheia.<br />
Com os versos nono e décimo, vem o eu lírico fazer a mesma pergunta já<br />
levantada no primeiro verso ao seu íntimo, do por que de ele não ser “como os outros”,<br />
dando-nos uma idéia de como o ser humano se apresenta para ele: “anedótico,/ leviano,<br />
insensível, praticável”. Há em Rivera sempre uma preocupação com a raça humana, com o<br />
modo de agir das pessoas, com o seu próprio modo de ser. Despeja ele em seus poemas uma<br />
preocupação existencial-ontológica que o obriga a olhar para o seu interior, confrontando-o<br />
com o ser na sua plenitude, bem como com as atitudes dos seres humanos em geral.<br />
Para o eu lírico, os seres humanos são insensíveis, mantendo “a hora exata/ para os<br />
pêsames, o almoço, o esporte e o beijo”, agindo mecanicamente diante das mais diversas<br />
situações. Como cada circunstância apresentada possui determinada peculiaridade, elas<br />
exigem de nós uma atenção particular e diferente para cada tipo de acontecimento; fato que<br />
não é evidenciado no referido poema. Exemplo disso são os pêsames, no poema aparecendo<br />
como tendo a “hora exata” de serem dados por nós. Instiga-nos o poeta, com suas palavras, a<br />
repensarmos nossas próprias ações, pois, como no exemplo do trecho analisado, sabemos<br />
muito bem que há mortes que nos comovem mais que outras; entretanto, diz o eu lírico que<br />
temos uma forma mecânica de nos comportarmos diante de tais acontecimentos, como se eles<br />
não fossem tão importantes – pois se o fossem agiríamos não como máquinas, mas sim mais<br />
humanamente, sem horas marcadas, sem tempo certo para determinada situação.<br />
É bom notarmos também que no mesmo patamar de um acontecimento trágico que<br />
nos leva a dar os pêsames a alguém, Rivera coloca outras situações, como “o almoço, o<br />
esporte e o beijo”. Tal discrepância seria apresentada justamente para nos colocar face às<br />
nossas atitudes, atestando assim a nossa pouca atenção para com a própria vida. O ato de<br />
almoçar, trivial pelo fato de repetir-se diariamente e ter como único benefício a nossa<br />
saciedade alimentar momentânea, aparece como uma rotina similar ao “esporte e o beijo” –<br />
duas categorias que usualmente despertam os nossos sentimentos, pela euforia e pelo bem-<br />
querer a alguém, respectivamente. Mostra o poeta com isso que, na sua visão, os seres<br />
humanos não estão preocupados nem com os outros, nem cada um com a sua própria<br />
existência, uma vez que agem como seres que não possuíssem emoções.<br />
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