O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
O EU ÍNTIMO E O EU SOCIAL NA POESIA DE BUENO DE RIVERA
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que o ser se encontra. Poderíamos citar, a título de exemplo, algumas estrofes do “Poema do<br />
Quarto”, onde Rivera nos traz uma cena surreal da narração desse aposento:<br />
Sombra amável, lembrança<br />
do primeiro quarto.<br />
As nuvens levam o berço,<br />
Barco no infinito.<br />
(...)<br />
A música da idéia<br />
nos livros fechados.<br />
A cabeça no espaço<br />
em viagens líricas.<br />
A mulher como um peixe<br />
dormindo na pluma.<br />
O amor nascendo<br />
Na boca entreaberta. (MS, p. 17-8)<br />
Mais que pelo simples fato de se utilizarem de uma linguagem surreal, as atitudes<br />
poéticas de ambos se assemelham entre si por outros aspectos mais, dentre eles, pela presença<br />
do onírico povoando os poemas, evidenciado nos dois trechos analisados. Inicialmente, por<br />
começarem os poemas com os vocábulos “sombras” (no primeiro caso) e “sombra” (no<br />
segundo), somos levados a um ambiente de penumbra que envolve a cena; mas a utilização<br />
desta sombra, em ambos os trechos, não significa que os poemas trazem a visão do mal ou<br />
que visam a preparar um estado em que prevalecerá o pânico. Antes disso, esse vocábulo vai<br />
somente lançar-nos em um meio indeciso e obscuro, mas não tenebroso. E isso porque, logo à<br />
frente, em cada um dos trechos analisados, temos outras palavras mais, de sentidos opostos ao<br />
de “sombra”, como “raios”, no primeiro caso, e “nuvens”, no segundo: enquanto aquela tende<br />
a nos passar a impressão de clarão, de luminosidade, ou seja, algo que age contra a escuridão,<br />
esta nos remete à brancura, pela cor que usualmente elas, as nuvens, se conflagram.<br />
Ainda poderíamos evidenciar nos trechos analisados um certo sensualismo, que<br />
mesmo não sendo latente, é atestado nos dois poemas. Por essa “cabeleira cheirosa” de que se<br />
valeu Murilo Mendes para fazer surgir uma figura feminina, depreendemos o caráter sensual,<br />
que é confirmado pelo último verso do trecho citado, já que, em sua índole religiosa, mostra-<br />
se culpado por ter cedido aos anseios da carne e por isso se nos apresenta como alguém que<br />
será “levado pro aniquilamento”. No caso de Rivera, este, nas três obras levadas a público,<br />
além dos poemas publicados em jornais, em nenhum momento o fator religioso é colocado<br />
como força julgadora dos seus atos. Mas o sensualismo no trecho citado é evidente, como<br />
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