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Direito à Memória e à Verdade - DHnet

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DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADEO relatório é esclarecedor, contudo, quando descreve as características da ocupação do local. A análise das informações permite concluirque a fazenda se transformou, temporariamente, em base assemelhada a estabelecimento policial: “em Fazenda Buriti houve grande concentraçãode equipes, após o estouro do ‘aparelho’, em face da necessidade de desenvolver intenso patrulhamento”. De fato, o local foi transformadoem base de comando, patrulha e comunicação, e nele se estabeleceram os agentes do DOPS de São Paulo, do CISA, do CIE e do 19°BC, além de outras equipes estrategicamente alocadas ao redor. Esses dados são confirmados por depoimentos de moradores informandoque “os militares ficaram por volta de dez dias instalados na casa da família Campos Barreto, dormindo, comendo, dirigindo as operações debusca e mantendo preso o Sr. José de Araújo Barreto”. Os agentes “também dormiam na igreja e no mercadinho”.Estando preenchida, portanto, uma das condições para inclusão na Lei nº 9.140/95, a CEMDP se deteve na análise das circunstâncias damorte de cada um. Segundo a versão oficial, consignada no laudo de exame cadavérico de Otoniel, ele foi abatido quando reagiu à balacontra os agentes. A versão divulgada pelos jornais diz que Otoniel efetivou um disparo de arma de fogo e saiu correndo, quando foi atingido.O laudo necroscópico é impreciso e não estabelece a trajetória dos disparos, deixando de fazer a relação entre orifícios de entradae orifícios de saída. Registra, por exemplo, um disparo no olho esquerdo, sem indicar orifício de saída ou o local onde o projétil se alojou.Permite concluir, contudo, que recebeu um disparo na cabeça, de frente, e foi metralhado pelas costas. Há, ainda, um tiro no ombro direito,com orifício de entrada de cima para baixo, o que causa estranheza, pois indica que Otoniel deveria estar deitado para receber tal projétil,o que contradiz a descrição de fuga feita pelos agentes.O interrogatório de Olderico na Justiça Militar e outros documentos anexados trouxeram mais detalhes sobre o ocorrido. Otoniel foi logodetido e Olderico reagiu, razão pela qual foi atingido por um disparo no rosto. Quando recobrou os sentidos, foi preso e conduzido, juntamentecom o pai e o irmão, para a frente da casa. Diz que Otoniel foi despido, permanecendo apenas de calção e que, na sua calça, deixadanas proximidades, havia uma arma de fogo, fato não percebido pelos agentes. Levaram o pai para o barracão, onde o velho foi penduradoem uma corda, de cabeça para baixo e, com socos, golpes de armas e ameaças de morte, exigiam saber o paradeiro do filho Zequinha. Dolado de fora, Otoniel, em desespero pelos gritos do pai, alcançou a arma, deu um disparo e saiu correndo, tendo sido atingido. Oldericodeclara ainda que, enquanto era novamente espancado, um policial disse, referindo-se ao irmão morto: “Isso é para ver o que acontece comquem foge”.Reuel Pereira da Silva, soldado e morador no município, prestou dois depoimentos à Justiça Militar, um em 1972 e outro em 1979. No primeirodos depoimentos, além de esclarecer que se engajou na equipe de repressão, confirma que Otoniel já estava detido, sob sua guarda,antes de morrer. Esclarece que naquele momento o pai dos rapazes havia sido conduzido, algemado, para um barracão. Diz que foi surpreendidopelo tiro de Otoniel e não conseguiu segurá-lo, saindo em seu encalço, sendo que outros agentes o perseguiram, ouvindo depoisdiversos disparos. Ainda segundo o esclarecimento do soldado, Otoniel tentou fugir correndo na direção contrária ao local em que seu paise encontrava preso, sendo perseguido pelos agentes.O relator do processo na CEMDP concluiu que Otoniel já estava formalmente detido quando ocorreu o tiroteio, sendo provável que tenhasido atingido primeiro nas costas, onde levou dois tiros. E levantou questionamento sobre os outros tiros, um na cabeça, pela frente, e outrono ombro, de cima para baixo: teria sido uma execução?Ressaltou que a atitude negligente dos policiais, de deixar uma arma ao seu alcance, não retira a responsabilidade do poder público; e queos disparos, todos direcionados para o tronco e para a cabeça, indicam a intenção de matar, não de imobilizar. Também destacou a nítidadesproporção entre as forças oficiais e dos moradores de Buriti. Otoniel era um jovem de apenas 20 anos, que nunca conheceu outro lugar.Não era um guerrilheiro temível, com treinamento. Mostrou que nem sabia atirar. As armas encontradas no chamado “aparelho rural” eramarmas de defesa, muito comuns, como registram as testemunhas, em região quase inóspita. Votou pelo deferimento, e foi acompanhadopela maioria da CEMDP.Quanto à morte de Luiz Antonio, o relator considerou que havia duas versões para a morte: a de que morrera durante o tiroteio, comoregistra o laudo necroscópico, e outra de suicídio, relatada por testemunhas e difundida tanto pelo livro quanto pelo filme que retratam| 178 |

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