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Direito à Memória e à Verdade - DHnet

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COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOSGUERRILHA DO ARAGUAIAA seqüência cronológica adotada neste livro-relatório deve ser suspensaagora, sendo retomada adiante, para apresentar em bloco umepisódio marcante da luta clandestina contra o regime militar, queficou gravado historicamente sob o nome Guerrilha do Araguaia.O rio Araguaia brota nas proximidades da divisa entre Goiás, MatoGrosso e Mato Grosso do Sul e desliza no rumo Norte por dois milquilômetros até chegar ao município de Xambioá (Tocantins hoje,Goiás até 1988), localidade que também deu seu nome à guerrilha,embora os confrontos armados tenham ocorrido na margemoposta, pertencente ao Pará, em vasta área que naquele tempoabrigava densa floresta amazônica.Depois de Xambioá, de onde se vê São Geraldo do Araguaia (PA)na margem oposta, o rio, que nessa altura atinge 1000 metros delargura, continuará descendo por mais de 200 quilômetros até desembocarno Tocantins. No mapa, o encontro dos rios, que é tambéma divisa entre Pará, Maranhão e Tocantins, forma a imagem deuma ave em perfil, que rendeu à região o nome Bico do Papagaio,área de agudos conflitos agrários. Entre 1972 e 1974, num territórioparaense hoje bastante desmatado, que tem Marabá comoprincipal centro regional, se desenvolveu a chamada Guerrilha doAraguaia. Sob a direção do Partido Comunista do Brasil (PCdoB),cerca de 70 pessoas, jovens em sua maioria, atuaram em ações deresistência armada ao governo militar.O palco onde se deram os choques, mortes, prisões, torturas e execuçõesa serem focalizados na apresentação dos 64 casos adiante, compreendeuma área de 7.000 km 2 entre São Domingos e São Geraldo,na margem esquerda do rio. Os militantes do PCdoB foram deslocadosde vários estados para aquela região entre a segunda metade dos anos1960 e abril de 1972. Um número indeterminado de camponeses locais,dentre os 20 mil habitantes da área, teria se juntado aos militantesque viviam em pequenas comunidades na mata.Embora as Forças Armadas tenham adotado uma postura onde predomina,há mais de 30 anos, silêncio a respeito do assunto, inúmerasreportagens, pesquisas, diligências e publicações terminaram reconstruindoos elementos básicos que compuseram aquele episódio histórico.Sabe-se que, no combate aos guerrilheiros do PCdoB, o regimemilitar empreendeu repetidas campanhas de informação e repressão,mobilizando rotativamente, entre abril de 1972 e janeiro de 1975, umcontingente estimado em cifras que oscilam de 3 mil até mais de 10mil homens do Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal e PolíciaMilitar do Pará, Goiás e Maranhão. Os embates entre forças repressivase guerrilheiros causaram a morte da maior parte dos integrantesdo PCdoB na área, representando a metade do total de desaparecidospolíticos no Brasil.Considerando a desproporção entre o número de combatentes deum lado e de outro, e levando em conta relatos da população sobrea repressão generalizada aos guerrilheiros e camponeses, é possívelque o número de mortes tenha sido muito superior ao quese conseguiu computar. Mesmo depois de três décadas, os moradoresda região ainda demonstram visível receio em falar sobreo assunto. Na área onde se instalou o principal quartel-generalda contra-insurgência, vários moradores guardam marcas físicas epsicológicas das torturas aplicadas nos interrogatórios para localizaros integrantes do PCdoB. Referem-se aos guerrilheiros como“paulistas” ou “povo da mata”, apelidos que receberam da populaçãolocal. Eles são lembrados, hoje, com simpatia, principalmentepelo trabalho cotidiano que realizaram junto às comunidades:atendimentos de saúde, partos, mutirões de trabalho (“adjuntos”),cursos de alfabetização e aulas sobre diversos temas.O início do MovimentoOsvaldo Orlando da Costa, o “Osvaldão”, foi o primeiro integrantedo PCdoB a se instalar na região, em 1966. Em 1968,já se compunha um grupo de 15 militantes. No início de 1972,às vésperas da primeira expedição do Exército, eram quase 70.Muitos deles ocultaram suas identidades com o uso de nomesfalsos e todos assumiram ocupações comuns na região. Moravamem pequenos núcleos familiares, afastados uns dos outrose se esforçavam por se integrar à vida das comunidades ondeviviam.Boa parte desses homens e mulheres que se embrenharam nas matasdo Araguaia era composta de lideranças estudantis que haviamparticipado de importantes manifestações contra a ditadura militar,nas grandes cidades do país, entre 1967 e 1969. Vários delesjá tinham sido presos por outras atividades de oposição ao regime.Os que chegaram a partir de 1969 e 1970 foram deslocados peloPCdoB ao Araguaia também porque tinham contra si inquéritospoliciais, processos judiciais e mandados de prisão, vários deles porparticipação no 30º Congresso da UNE em Ibiúna.Jacob Gorender, no livro Combate nas Trevas, informa que pouco maisde 70% dos guerrilheiros provinham da classe média; eram estudantes,médicos, professores, advogados, comerciários ou bancários. Menosde 10% eram operários. E cerca de 20%, camponeses, quase todosrecrutados na região. Tinham, em média, pouco menos de 30 anos.| 195 |

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