Economia Solidára na America Latina SENAES SOLTEC
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Conclusão 185<br />
tanto, mudar tanto o mundo é uma aspiração cabível hoje, justamente quando falamos de<br />
seletividade, de distribuição, de equilíbrio, de uma nova perspectiva, de decrescimento 23 <br />
Diante da profundidade de tais questões, alguns supõem que o ser humano é por <strong>na</strong>tureza<br />
dependente, que precisa estar em um rebanho, sempre atrás dos outros, de cabeça<br />
baixa, do contrário se desgarra e fenece. O gregarismo conformista seria a nossa marca,<br />
por isso precisamos de elites capazes de distanciar-se, destacar-se e guiar-nos.<br />
A noção de cidadania, desse ponto de vista, é uma quimera. Outros dirão que, não<br />
havendo empecilhos, o que se manifesta é a nossa <strong>na</strong>tureza de seres racio<strong>na</strong>is e inteligentes,<br />
estratégicos, sagazes – ato contínuo, utilitaristas e maximizadores, cidadãos em<br />
causa própria. Outros afirmarão que estamos fatalmente sujeitos à domi<strong>na</strong>ção, à alie<strong>na</strong>ção,<br />
somos vulneráveis, mas também estamos prontos para domi<strong>na</strong>r, oprimir, inverter<br />
o jugo, em uma interminável luta social.<br />
Mesmo admitindo que a sociedade seja um campo de conflitos, alguns confiam em coletivos<br />
movidos por individualidades, insuprimíveis, mas também alimentados por sentimentos<br />
altruístas, capazes de agir e transformar. A cada visão subjaz uma espécie de antropologia<br />
espontânea, irmã de uma das ideologias moder<strong>na</strong>s, que delimita o horizonte em que<br />
nos habituamos a compreender e imagi<strong>na</strong>r o mundo.<br />
Não se deve crer que tudo se passe no campo do senso comum, do pensamento não<br />
erudito e não científico. Ao contrário, os grandes paradigmas da Sociologia, para não<br />
dizer das Ciências Sociais, mantêm raízes históricas comuns e linhas de parentesco mais<br />
ou menos evidentes com essas grandes visões ideológicas 24 . Si<strong>na</strong>l disso é que, em cada<br />
campo, encontramos um vocabulário, uma semântica comum às ciências, às ideologias e<br />
aos discursos proferidos pelo senso prático. Basta lembrar, por exemplo, do livre trânsito<br />
de vocábulos como iniciativa, liberdade econômica, cálculo, competição, racio<strong>na</strong>lidade,<br />
estratégia, empreendedorismo e interesse, entre as hostes da ciência econômica neoclássica,<br />
do pensamento liberal e dos praticantes da economia capitalista de mercado.<br />
Percebe-se então que estamos imersos em uma alter<strong>na</strong>tiva histórica, cujos enormes<br />
desafios, dadas as escolhas feitas, muitas vezes se traduzem em termos antagônicos.<br />
Não duais, mas antagônicos. No polo domi<strong>na</strong>nte, instalou-se o utilitarismo. A meu ver,<br />
trata-se de um paradigma, de premissas sobre a <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong> e a vida social, que<br />
sustenta o pensamento liberal e suas expressões e instituições políticas e econômicas. O<br />
liberalismo econômico origi<strong>na</strong>l e suas reedições, a exemplo do neoliberalismo, devem<br />
sua força não somente à inteligência e ao poderio daqueles que o esposam e manejam.<br />
Sua força de imposição explica-se por estar ancorado em uma das visões de mundo<br />
23. Consultar, por exemplo: http://pt.wikipedia.org/wiki/Decrescimento_%28economia%29.<br />
24. Ver a respeito: BAJOIT, Guy. Pour une sociologie relationnelle. Paris: PUF, 1992.