Lendas do mundo emerso - O destino de Adhara - Multi Download
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– Chegou a vê-los nas Terras Desconhecidas, durante suas andanças?<br />
San <strong>de</strong>morou um momento antes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r:<br />
– Não. Nunca cheguei tão longe.<br />
Neor olhou para ele.<br />
– Mas saberia reconhecê-los?<br />
San anuiu.<br />
– A partir <strong>de</strong> agora a cida<strong>de</strong> será patrulhada por rondas formadas por um guarda e um<br />
sacer<strong>do</strong>te; juntos, eles procurarão os elfos. A or<strong>de</strong>m é capturá-los vivos e impedir que nos<br />
prejudiquem. Não sabemos quantos <strong>de</strong>les estão soltos por aí, mas vocês terão <strong>de</strong> encontrá-los.<br />
Cui<strong>de</strong> você mesmo <strong>de</strong> organizar os turnos.<br />
– E quanto à segurança <strong>do</strong> palácio?<br />
Neor pensou na mulher e nos filhos.<br />
– Três solda<strong>do</strong>s para a minha família. Somente três. Este é um problema secundário.<br />
Amhal foi traga<strong>do</strong> pelo vendaval. Assistiu à primeira reunião, na qual San comunicou as novas<br />
or<strong>de</strong>ns.<br />
– Você será o meu companheiro fixo – disse ao rapaz.<br />
Amhal exultou. Tu<strong>do</strong> o mais <strong>de</strong>sapareceu <strong>do</strong>s seus horizontes. <strong>Adhara</strong>, que por longas noites<br />
tinha preenchi<strong>do</strong> a sua mente com a lembrança <strong>do</strong>ce e terrível daqueles beijos; a <strong>do</strong>çura <strong>do</strong>s seus<br />
lábios e o horror <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> suas mãos quase haviam chega<strong>do</strong> a feri-la. Mira, distante, perdi<strong>do</strong>.<br />
Até mesmo a sua fúria, que continuava a atormentá-lo noite e dia convidan<strong>do</strong>-o a satisfazer a sua<br />
se<strong>de</strong> <strong>de</strong> sangue. Tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sapareceu, e só ficou San.<br />
Perlustravam a cida<strong>de</strong> sem parar, la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong>. Agiam como uma só pessoa. Não havia<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> palavras entre eles: os corpos se moviam com perfeita sincronia, a espada negra<br />
e o espadão <strong>de</strong> <strong>do</strong>is gumes dançavam em uníssono, quan<strong>do</strong> se tratava <strong>de</strong> punir um ladrão ou <strong>de</strong>ter<br />
um assassino. Porque o alvoroço tomara conta da cida<strong>de</strong>. Ela parecia estar entregue a um<br />
presságio <strong>de</strong> morte que a envolvia e, pouco a pouco, sufocava. E, diante <strong>do</strong> fim, cada um<br />
revelava o que <strong>de</strong>veras era. Atos <strong>de</strong> heroísmo e da mais incrível cruelda<strong>de</strong> alternavam-se nas<br />
ruelas da capital. Assassinatos, estupros, roubos, mas também solidarieda<strong>de</strong> para com os<br />
estrangeiros persegui<strong>do</strong>s, as ninfas acossadas, os <strong>do</strong>entes.<br />
E Amhal perdia-se neste magma. Só ten<strong>do</strong> como guia os ensinamentos <strong>de</strong> San, as palavras que<br />
o novo mentor tantas vezes lhe repetia quan<strong>do</strong>, à noite, iam treinar:<br />
– Matar não é necessariamente um mal. Tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem você mata. Nós temos um<br />
po<strong>de</strong>r, Amhal, um po<strong>de</strong>r que ninguém mais tem. E não po<strong>de</strong>mos aviltá-lo nos rebaixan<strong>do</strong> a acatar<br />
as leis <strong>do</strong>s mortais. Somos outra coisa, Amhal. A sua fúria é a prova disto.<br />
Um mun<strong>do</strong> sombrio, ao qual ele tentara resistir. Mas, quan<strong>do</strong> Mira partira e Makrat ficara<br />
entregue à loucura, a fronteira entre o lícito e o ilícito, entre o bem e o mal, tornara-se in<strong>de</strong>finida<br />
para seus olhos. San erguera-se como única certeza, com suas palavras que soavam cada vez<br />
menos ameaça<strong>do</strong>ras, cada vez mais <strong>do</strong>ces e persuasivas. Nas mãos <strong>de</strong>le, a fúria parecia inócua,<br />
até justa, e ele aprendia a conviver com ela, a <strong>de</strong>ixá-la extravasar lentamente. Como aquela noite<br />
no bosque, quan<strong>do</strong> experimentara uma nova fórmula proibida que trouxera <strong>de</strong>vastação e morte à<br />
sua volta. Corpos carboniza<strong>do</strong>s, troncos <strong>de</strong>vora<strong>do</strong>s pelas chamas. E nenhum sentimento <strong>de</strong> culpa.