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Lendas do mundo emerso - O destino de Adhara - Multi Download

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Não se podia afundar no inferno e voltar <strong>de</strong> lá íntegro. Os que sobreviviam à <strong>do</strong>ença eram<br />

fantasmas. Guardavam a morte <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si.<br />

E enquanto isto, a cada dia que passava, a cada hora, a fúria aumentava. Antes <strong>de</strong> chegar<br />

àquele lugar, Amhal não estava acostuma<strong>do</strong> com o homicídio. Só matara umas poucas vezes na<br />

vida, sempre com um gran<strong>de</strong> sentimento <strong>de</strong> culpa. Agora não havia um só dia em que a sua<br />

espada não ceifasse alguma alma. E tu<strong>do</strong> parecia inteiramente normal. No seu coração, a fúria se<br />

regozijava, selvagem, e incitava-o a apagar novas vidas, a afundar mais e mais a lâmina na carne.<br />

A fúria e San eram as únicas coisas vívidas em Damilar. E estavam estreitamente relacionadas,<br />

Amhal já se <strong>de</strong>ra conta disso. San aninhava no coração a mesma fúria. Talvez fosse por isto que<br />

sonhara com ele.<br />

– Como é que você consegue? – perguntara-lhe certa noite. – Como po<strong>de</strong> conviver com a fúria?<br />

– Aceitan<strong>do</strong>-a – respon<strong>de</strong>ra simplesmente. – Tornei-a minha aliada.<br />

– Mas não sente... horror por esta coisa que se escon<strong>de</strong> no seu peito?<br />

San sacudira a cabeça.<br />

– Não está ven<strong>do</strong> a fúria à nossa volta? Este é o mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, Amhal, não o recanto<br />

<strong>do</strong>ura<strong>do</strong> on<strong>de</strong> viveu até agora. Este é o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eu venho e ao qual você pertence. Um<br />

mun<strong>do</strong> em que a fúria faz a diferença entre viver e morrer. Nós a temos, a sentimos em nós, e<br />

estamos salvos. Caberá justamente à nossa fúria acabar <strong>de</strong> vez com a morte. É por isto que nós<br />

<strong>do</strong>is não ficamos <strong>do</strong>entes.<br />

Pouco a pouco, Amhal tinha <strong>de</strong>sisti<strong>do</strong> <strong>de</strong> lutar. Deixava extravasar a fúria quan<strong>do</strong> matava e,<br />

pelo resto <strong>do</strong> dia, contentava-se em viver num esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> perene torpor. Era melhor não pensar.<br />

Não era a mesma coisa que viver, mas tornava aceitável o espetáculo horren<strong>do</strong> que o cercava.<br />

Nem mesmo a chegada <strong>de</strong> <strong>Adhara</strong> conseguira mudar as coisas.<br />

Claro, ainda sentia alguma coisa por ela, algo enterra<strong>do</strong> sob várias camadas <strong>de</strong> <strong>do</strong>r, além <strong>do</strong>s<br />

tapumes que erguera entre si mesmo e a realida<strong>de</strong>. Mas não queria entregar-se àquele sentimento.<br />

Porque ela era alguma coisa pura que queria preservar, a lembrança <strong>de</strong> uma época diferente na<br />

qual ainda tinha a ilusão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r mudar.<br />

O jovem que a salvara, que procurara <strong>de</strong>volver-lhe o passa<strong>do</strong>, estava paulatinamente<br />

<strong>de</strong>saparecen<strong>do</strong>, e tinha <strong>de</strong> ser assim. Porque aquele jovem não era ele. O verda<strong>de</strong>iro Amhal<br />

matava os retirantes daquele acampamento, saciava a volúpia da fúria com o sangue. E sempre<br />

havia si<strong>do</strong> assim, nunca fora outra coisa.<br />

Mas não queria arrastar <strong>Adhara</strong> na sua queda. Ela merecia algo mais, e melhor. E quan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

fato enten<strong>de</strong>sse quem ele era, quan<strong>do</strong> se conformasse com a sua malda<strong>de</strong>, então teria a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esquecê-lo, <strong>de</strong> procurar uma nova vida.<br />

Por isto a evitava, embora sentisse a sua falta. E até mesmo o <strong>de</strong>sejo que sentia da sua pele e<br />

<strong>do</strong>s seus beijos tinha algo <strong>de</strong> impuro, <strong>de</strong> contamina<strong>do</strong>.<br />

Porque eu só sei amar <strong>de</strong>ste jeito, com fúria, com violência. E não quero pisoteá-la, não<br />

quero sujá-la.<br />

Mas, por sorte, não havia muito tempo para pensar. Toda manhã, bem ce<strong>do</strong>, saía com San para<br />

patrulhar as al<strong>de</strong>ias infectadas. Tratava-se <strong>de</strong> avaliar a eficiência da quarentena, <strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r os que<br />

haviam trabalha<strong>do</strong> no turno da noite e, às vezes, <strong>de</strong> ir até mais longe, para controlar os <strong>de</strong>mais

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