19.04.2013 Views

Lendas do mundo emerso - O destino de Adhara - Multi Download

Lendas do mundo emerso - O destino de Adhara - Multi Download

Lendas do mundo emerso - O destino de Adhara - Multi Download

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Dubhe pousou em Dereia, na Floresta Oci<strong>de</strong>ntal, numa manhã iluminada por uma alvorada<br />

amarga. Theana estava esperan<strong>do</strong> por ela, na ampla clareira, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> acampamento. Pálida,<br />

apertava as mãos, <strong>de</strong> cabeça levantada para ela.<br />

Dubhe <strong>de</strong>smontou <strong>do</strong> dragão, o <strong>do</strong> único cavaleiro que tinha encontra<strong>do</strong> em Makrat disposto a<br />

levá-la até ali.<br />

– Não <strong>de</strong>veria ter vin<strong>do</strong> – disse Theana, olhan<strong>do</strong> para ela com severida<strong>de</strong>.<br />

A rainha sorriu com amargura.<br />

– E on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria estar? Na minha corte <strong>de</strong>serta? Não há mais ninguém no palácio. Só<br />

cadáveres.<br />

– Ainda não se recobrou por completo, você sabe disto.<br />

Dubhe passou a mão no rosto.<br />

– Tenho bons motivos para estar aqui.<br />

Tinha parti<strong>do</strong> alguns dias <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> funeral <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Uma cerimônia <strong>de</strong>spojada da qual<br />

haviam participa<strong>do</strong> só umas poucas pessoas.<br />

Assim se vai o maior rei da Terra <strong>do</strong> Sol, pensara, abraçan<strong>do</strong> com o olhar os presentes: cerca<br />

<strong>de</strong> meia dúzia <strong>de</strong> cria<strong>do</strong>s sobreviventes, páli<strong>do</strong>s como fantasmas. Ninguém mais além <strong>de</strong>la, sob a<br />

fina chuva <strong>do</strong> outono. Com a umida<strong>de</strong>, a pira <strong>de</strong>morou a pegar fogo. Ela permanecera imóvel na<br />

intempérie, até nada mais sobrar <strong>do</strong> homem que amara por uma vida inteira além das cinzas.<br />

Tinha fica<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong>le durante toda a <strong>do</strong>ença, respirara o seu respiro, bebera a sua água,<br />

partilhara o mesmo <strong><strong>de</strong>stino</strong>. Quan<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ecera, <strong>de</strong>scobrira com alguma aflição que, no fun<strong>do</strong> da<br />

alma, ela também <strong>de</strong>sejava morrer.<br />

E aparecera a febre, e com ela o sangue e a <strong>do</strong>r. Não se afastara daquela cama, continuara a<br />

apertar a mão <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> mesmo durante o <strong>de</strong>lírio. Sabia como iria acabar, e por isto mesmo<br />

queria aproveitar cada instante que o <strong><strong>de</strong>stino</strong> ainda lhe permitia passar com Learco, por mais<br />

terrível que fosse. Theana tivera <strong>de</strong> insistir para que se <strong>de</strong>ixasse curar.<br />

– Não po<strong>de</strong> se entregar – dizia-lhe.<br />

– Não estou me entregan<strong>do</strong> – gemia ela, aflita. – Só quero ficar ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong>le até o fim.<br />

Depois, lentamente, a febre amainara, a hemorragia estancara, e pouco a pouco Dubhe se<br />

recobrara. Bem a tempo <strong>de</strong> assistir aos últimos momentos <strong>de</strong> vida <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>.<br />

Na chuva, enquanto a fumaça subia ao céu <strong>de</strong> chumbo, tinha pensa<strong>do</strong> em muitas coisas. No filho<br />

distante, no paço a esta altura <strong>de</strong>serto, em Makrat entregue à <strong>do</strong>ença, nos longos anos passa<strong>do</strong>s ao<br />

la<strong>do</strong> <strong>de</strong> Learco, em tu<strong>do</strong> aquilo que o <strong><strong>de</strong>stino</strong> tivera a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lhes conce<strong>de</strong>r, na alegria, no<br />

sofrimento, numa vida inteira que se dissolvia em fumaça.<br />

A Dubhe daqueles anos morria naquele dia. Pouco a pouco, ela, que assistira ao milagre <strong>de</strong><br />

cinquenta anos <strong>de</strong> paz, <strong>de</strong>sfazia-se na chuva. E a antiga Dubhe – a garota ao mesmo tempo ousada<br />

e perdida, a assassina, a ladra – voltava paulatinamente à tona. Porque era o que o momento atual<br />

exigia, pois o tempo enroscara-se mais uma vez sobre si mesmo, e a história se repetia. Porque<br />

Learco havia si<strong>do</strong> a parte melhor <strong>de</strong>la, a sua força, a sua coragem. Agora só restava a obstinação.<br />

Já no seu quarto, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar pelas salas vazias <strong>do</strong> palácio, olhara para a própria imagem<br />

no espelho. Meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu rosto era uma mancha negra. A marca in<strong>de</strong>lével da <strong>do</strong>ença. O luto

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!