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Estela

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profundas, que nele se associavam sempre à pesquisa do grande<br />

problema. Mas essa fronte era calma, esses olhos eram brilhantes<br />

e claros, o canto da boca sorria também, e a fisionomia, aberta e<br />

tranqüila, porejava a felicidade interior do Espírito – constantemente<br />

ocupado em pesquisas de ordem intelectual.<br />

– Fica sabendo, meu Rafael, disse-lhe certo dia, sem mim a<br />

Ciência ter-te-ia devorado.<br />

– De que modo?<br />

– Sim. Durante o longo inverno da minha espera pensei nisso<br />

muitas vezes. Para os sábios iguais a ti, honestos, desinteressados,<br />

para os quais a Ciência é um fim sublime, e não um meio de<br />

conquistar lugares e honras, a vida se torna um devotamento<br />

perpétuo, uma abnegação absoluta de tudo. Via-o bem. Ela te<br />

dominava inteiramente e tu nada fruías da vida.<br />

A Ciência, vês tu, é uma bela mulher, uma admirável mulher,<br />

de semblante sedutor, que se faz adorar pelo amante, apaixona-o<br />

ao mais alto grau, faz que abandone tudo, leva-o a esquecer tudo<br />

e tudo desprezar por ela. Ele a ama, e lhe dá sua vida total, suas<br />

forças, a sua alma. Um dia, ele sente leve enroscar a seus pés,<br />

rodeando-lhe os tornozelos. Esse envolvimento sobe, prende as<br />

pernas, o corpo, vai até ao coração, até aos braços, paralisados<br />

pelos tentáculos, até os ombros, até ao pescoço, e a serpente,<br />

sorridente, constringe o pobre amante, sufoca-o, esmaga-o,<br />

tritura-o e a vítima sucumbe hipnotizada, sorrindo ainda ao<br />

divino monstro... Meu pobre amigo, se eu não viesse não tardarias<br />

a descer aos baixos da terra, sem ter visto o Sol. Tu havias<br />

nascido para a felicidade; faltava-te alguma coisa, um nada: eu.<br />

– Meu querido pequenino nada, tu és meu tudo. Veio iluminar<br />

e florir o meu deserto.<br />

Tomou-a nos braços, e a cobriu de beijos.<br />

– Meu bem-amado, sou coisa tua. Sim, tu mo fizeste pressentir,<br />

o amor é uma escravidão; porém, é bom ser tua escrava.<br />

E assim, constantemente permutavam todas as íntimas impressões.<br />

O antigo silêncio do claustro cedera lugar ao gorjeio<br />

dos pássaros. Ele e ela pensavam em voz alta. E muitas vezes<br />

observaram que seus pensamentos se aproximavam tanto, que se

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