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Estela

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Seus recreios amorosos renovavam-se sem cessar e associavam-se<br />

de um modo encantador aos seus trabalhos. Nunca<br />

deveriam conhecer o tédio, nem a lassidão. Um dia, após o<br />

almoço, à sobremesa, <strong>Estela</strong> ofereceu-lhe, na ponta dos lábios<br />

rosados, uma linda cereja da qual segurava o cabo entre os<br />

dentes. O convite era tentador. Envolveu o lindo corpo entre os<br />

braços e apanhou delicadamente a cereja com um beijo. E depois<br />

outra, e mais outra. Imaginou por sua vez guardar aqueles caroços<br />

de cereja para plantá-los! Saíam de sua boca, e pareciam-lhe<br />

mais preciosos do que diamantes. E, uma vez firmado nessa<br />

idéia, concebeu o projeto de formar, no grande jardim inculto do<br />

antigo convento, um pequeno pomar exclusivamente plantado de<br />

frutos que houvessem tocado seu corpo, seu corpo adorado! Os<br />

caroços de pêssegos e damascos, de cerejas ou rainhas-Cláudia,<br />

amêndoas, nozes, avelãs, receberam uma espécie de consagração<br />

amorosa, pelo contacto com aquela carne amada, e foram sucessivamente<br />

confiados, no decorrer desse primeiro verão, ao seio<br />

da terra geradora. Que encanto seria ver essas pequenas árvores<br />

saírem do solo na próxima primavera, acompanhar cada ano o<br />

seu progresso, crescendo, desenvolvendo-se, e um dia comer os<br />

seus frutos!<br />

– Meu Rafael, tu és verdadeiramente um louco completo.<br />

Mas, deixava-o agir; e esses frutos preciosos tomavam, ao<br />

contacto do corpo querido, uma espécie de parentesco com ela, e<br />

era com recolhimento, com um cuidado zeloso que Rafael procurava<br />

no antigo pomar do convento os melhores lugares para<br />

semear a terra virgem com essas sementes nupciais. Já via no<br />

futuro as cerejeiras, aveleiras, balançando as ramagens verdes ao<br />

sopro dos ventos primaveris, darem flores e frutos. Mas, pensou,<br />

desejaria ter também um pequeno bosque vindo de <strong>Estela</strong>, para<br />

deitar-me um dia à sua sombra, um “bosquezinho de grandes<br />

árvores”! E por uma bela tarde trouxe castanhas e sementes de<br />

carvalho, apanhadas na floresta, para receberem também o<br />

batismo do seu contacto carnal, e, em outro canto do jardim,<br />

plantou-as em um pequeno cerrado. E, sem calcular sequer o<br />

tempo necessário para que as árvores atingissem as verdadeiras<br />

dimensões, experimentou uma satisfação estranha só em colocar

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