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Estela

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De repente sua mão tocou em objeto bem no fundo da mala.<br />

Retirou-o. Era um cofrezinho de pau rosa. Pareceu-lhe haver<br />

algo escrito sobre o cofre. Aproximou-se das velas acesas à<br />

cabeceira do leito mortuário e leu, traçado em azul pela mão de<br />

<strong>Estela</strong>, estas duas palavras: “Minha fortuna”. Esse pequeno cofre<br />

não se separava dela. Conservava-o na gaveta da sua mesa de<br />

trabalho, sobre a qual escrevia, e habituara-se a levá-lo nas<br />

viagens, à lembrança dos avaros carregando o seu tesouro.<br />

Intrigadíssimo com essas duas palavras, o médico hesitou sobre<br />

se devia abrir o cofre ou ignorar-lhe o conteúdo. Lembrou-se<br />

da antiga fortuna de <strong>Estela</strong> e pensou nos dois milhões que, um<br />

decênio antes, representava seu dote. Então, escrupulosamente, o<br />

recolocou onde estava. Mas, seu espírito achava-se agitado por<br />

mil pensamentos contraditórios. Era, no entanto, urgente uma<br />

decisão. Devia simplesmente levar esses pobres corpos a Luchon<br />

e conduzi-los ao cemitério? Uma voz parecia dizer-lhe que o<br />

amigo devia fazer alguma coisa mais. Contemplou os cadáveres,<br />

imaginando que talvez algum sinal pudesse manifestar-se nos<br />

semblantes adormecidos. Dargilan tantas vezes mantivera comunicações<br />

com o Além. Porém, nada. Impassibilidade absoluta. Os<br />

dois pálidos rostos permaneciam imóveis, de olhos abertos para a<br />

Eternidade.<br />

De súbito ouviu um leve ruído. Voltou à cabeça e notou que o<br />

feixe de chaves, deixado na fechadura da mala, oscilava e tilintava.<br />

Seu olhar se deteve sobre um ponto brilhante: era uma pequenina<br />

chave de ouro. Apanhou o molho. A chave abriu o<br />

cofrezinho.<br />

Não havia ali título algum de renda, porém modestas e queridas<br />

lembranças: uma rosa e um amor-perfeito entrelaçados, que<br />

Rafael lhe enviara após a partida de Luchon, no primeiro ano de<br />

seu encontro; uma carteirinha em cetim alaranjado, sobre o qual<br />

<strong>Estela</strong> bordara suas iniciais com cabelos de Rafael – prendendo<br />

fragmentos de unhas, algumas relíquias preciosas, uma laranja<br />

dessecada, um pequeno ramalhete de centáureas, três retratos de<br />

Rafael, um lencinho e outros pequenos nadas deliciosos para o<br />

seu coração. No fundo do cofre havia um envelope fechado sobre<br />

o qual estava escrito: “Este é o meu testamento”.

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